José Feldman (Textos & Trovas) A verdadeira face
Texto construído tendo por base a trova de Filemon Martins (São Paulo/SP)
Da vida não quero a glória
que tanto engana e seduz.
Prefiro não ter história
a renunciar minha cruz.
Na pequena vila de São Lázaro, onde as montanhas
se erguiam majestosas e os rios cantavam em seu leito, vivia um homem chamado
Elias. Ele era um camponês simples, conhecido por sua generosidade e pela
serenidade que exalava. Enquanto os outros aldeões se deixavam levar pela busca
incessante por fama e riqueza, Elias se dedicava a cultivar sua horta e cuidar
de sua família. Para ele, a vida era uma jornada de aprendizado, e não uma
corrida em busca de reconhecimento.
Certa vez, durante uma festa na aldeia, um
viajante chegou, trazendo consigo histórias de grandes conquistas e glórias.
Ele falava de palácios, tesouros e da admiração que recebia por onde passava.
Os aldeões, fascinados, rodearam o homem e deixaram de lado suas atividades
cotidianas. O viajante, percebendo a atenção que atraía, começou a incitar a
ambição nas pessoas, sugerindo que a vida sem glória era uma vida sem valor.
Elias, que observava em silêncio, sentiu um
desconforto crescente. Ele conhecia as armadilhas que a busca pela glória podia
trazer. Não era a fama que deixava marcas na alma, mas a vivência honesta e
autêntica de cada dia. Ao final do evento, ele se aproximou do viajante e, com
um olhar calmo, disse: “Da vida não quero a glória que tanto engana e seduz.
Prefiro não ter história a renunciar minha cruz.”
O viajante riu, achando que o camponês falava de
maneira ingênua.
“Como pode não querer ser lembrado? A história é o
que nos torna imortais!”
Elias, porém, não se deixou abalar. Ele sabia que
a verdadeira imortalidade não estava em ser lembrado, mas em deixar uma marca
no coração das pessoas ao seu redor, por meio de ações simples e
significativas.
Com o passar dos dias, o viajante decidiu ficar na
aldeia, convencendo alguns moradores a se juntarem a ele em sua busca por
riqueza e fama. Prometeu que, juntos, poderiam conquistar o mundo e ser
lembrados por gerações. Muitos se deixaram seduzir por suas promessas,
abandonando suas terras e suas tradições em busca de um futuro glorioso.
Enquanto isso, Elias continuou sua vida simples,
cuidando de sua horta e ajudando os vizinhos. Ele não se importava com o que os
outros pensavam, pois sabia que a verdadeira felicidade residia nas pequenas
coisas: o canto dos pássaros, o crescimento das plantas, o riso de uma criança.
Ele carregava em seu coração o peso da cruz, mas essa cruz, longe de ser um
fardo, era um símbolo de sua resiliência e de sua conexão com a vida.
O tempo passou e o viajante, junto com seus
seguidores, partiu em busca de aventuras. Prometeu voltar com riquezas e
histórias que deixariam todos deslumbrados. No entanto, meses se passaram sem
notícias, e a vida na aldeia continuou seu curso. Aqueles que deixaram suas
raízes começaram a sentir a falta do lar, da simplicidade e do calor humano que
haviam abandonado.
Um dia, após um ano de ausência, o viajante
voltou, mas não como um herói. Ele apareceu desolado, com roupas rasgadas e o
olhar vazio. Os que estavam com ele o seguiam, mas seus rostos eram marcados
pela fadiga e pela desilusão. O que havia prometido se revelou uma ilusão: a
busca pela glória os levou a um caminho de frustração e solidão.
Elias, ao ver o viajante em tal estado, sentiu
compaixão. Ele se aproximou e ofereceu-lhe água e comida. “A vida é um ciclo, e
às vezes as escolhas que fazemos nos ensinam lições difíceis”, disse Elias. O
viajante, agora sem palavras de bravura, apenas assentiu, compreendendo a
profundidade do que o camponês havia tentado lhe ensinar desde o início.
Aqueles que retornaram com o viajante, ao observar
a simplicidade da vida de Elias, começaram a perceber o valor que havia em suas
ações cotidianas. Eles se sentaram ao seu redor e ouviram suas histórias sobre
como, mesmo sem fama, ele tocava a vida das pessoas ao seu redor. Ele falava
sobre a importância de estar presente para os outros, de cultivar
relacionamentos e de encontrar beleza nas pequenas coisas.
Com o tempo, a aldeia se transformou. As pessoas
começaram a valorizar o que realmente importava: a comunidade, a solidariedade
e a autenticidade. A busca pela glória deu lugar a um desejo de ser útil e de
viver com propósito. A vida de Elias se tornou um exemplo, não de fama, mas de
integridade.
O viajante, que antes acreditava que a glória era
tudo, começou a entender que a verdadeira riqueza estava nas conexões que se
formam ao longo da vida. Ele se tornou um contador de histórias, mas agora suas
histórias eram sobre humildade, aprendizado e a beleza de uma vida bem vivida.
Elias, por sua vez, continuou a viver de acordo
com suas convicções. Ele nunca se preocupou em deixar uma grande história como
legado. Para ele, o que realmente importava era o amor que compartilhava e o
impacto que tinha nas vidas ao seu redor. Ao final de seus dias, ele partiu em
paz, sabendo que havia vivido plenamente, sem renunciar à sua cruz, mas sim
abraçando-a como parte essencial de sua jornada.
E assim, na pequena vila de São Lázaro, a
verdadeira glória não estava nas histórias grandiosas, mas nas vidas que foram
tocadas pela simplicidade, pela bondade e pela autenticidade de um homem que
preferiu não se deixar seduzir pelas ilusões da fama.
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SOBRE O AUTOR:
José Feldman nasceu na capital de São Paulo.
Formado técnico de patologia clínica, não conseguiu concluir o curso superior
de psicologia devido a situação financeira. Foi enxadrista, professor, diretor,
juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos; como
diretor cultural organizou apresentações musicais; trovador da UBT São Paulo e
membro da Casa do Poeta “Lampião de Gás”. Foi amigo pessoal de literatos de
renome (falecidos), como Artur da Távola, André Carneiro, Eunice Arruda, Izo
Goldman, Ademar Macedo, Hermoclydes S. Franco, e outros. Casado com a
escritora, poetisa e tradutora professora Alba Krishna mudou-se em 1999 para o
Paraná, morou em Curitiba e Ubiratã, radicou-se definitivamente em Maringá/PR.
Pertence a diversas academias de letras e de trovas, fundador da Confraria
Brasileira de Letras e Confraria Luso-Brasileira de Trovadores, possui o blog
Singrando Horizontes desde 2007, com cerca de 20 mil publicações. Atualmente
pertence a Campo Mourão/PR. Publicou mais de 500 e-books. Em literatura,
organizador de concursos de trovas, gestor cultural, poeta, escritor e
trovador. Dezenas de premiações em trovas e poesias.
Fonte:s
José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: IA
Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

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