quinta-feira, 16 de novembro de 2023

MISTÉRIOS DA VIDA

 



MISTÉRIOS DA VIDA

Robson Martins


Minha infância foi como a de todas crianças, cada brinquedo era uma parte de minha felicidade. É claro que também existiam os problemas, notavelmente a falta de recursos dos pais para comprar um brinquedo melhor. Isto significava a impossibilidade de realização dos sonhos de infância. Apesar disso, a alegria dominou esta fase de minha vida.

Meu mundo era exclusivo, onde apenas participava minha família. Não tinha a menor vontade de conhecer outras pessoas, isso me parecia perigoso. Não confiava em ninguém. Meus melhores brinquedos eram cuidadosamente ocultados quando se fazia a presença de visitantes de idade próxima a minha.

Assim se passaram os anos, alimentando essa felicidade aparente e prevalecendo esse sentimento de repulsão com relação às outras pessoas.

Como muitos dos fatos ocorridos no universo são inexplicáveis, também algo de inexplicável aconteceu. Os brinquedos perderam totalmente sua graça, as pessoas começaram a se tornar misteriosas, mistérios esses que eu passava a ter o interesse de desvendar.

Entretanto, havia (na verdade, ainda há) um grande problema a ser enfrentado: não possuía amigos, já que minha infância foi tão reservada. As outras pessoas pareciam ser totalmente intocáveis, não havia como me aproximar delas. A minha força de vontade não era capaz de superar isso, pelo contrário, fui traído pela minha timidez, excessiva para meus doze anos de idade.

Mas algo de novo aconteceu. Uma pessoa dentre todas as outras se destacava, seus cabelos loiros como ouro e seus olhos negros, que lembravam amêndoas eram os mais bonitos; uma garota absolutamente linda. Jamais havia observado tais qualidades em qualquer outra pessoa, e isso me surpreendeu. Confesso que minhas pernas tremeram e meu coração acelerou ao vê-la novamente.

A escola deixou de ter como atração principal o estudo e o conhecimento. Era ela, cujo nome lembrava ouro, o grande motivo pela qual eu estava ali.

Surgiram porém, várias questões. Como deveria agir para me aproximar dela? O que eu deveria dizer? Na verdade a maior pergunta a qual não havia nenhuma chance de se obter resposta era: O que está acontecendo comigo?

Os dias foram se passando. Aquele sentimento estranho foi aumentando cada vez mais dentro de mim.

A hora do intervalo era a melhor: eu me sentava no pátio, muitas vezes sozinho, e mirava meu olhar para ela, admirando sua imagem e contemplando sua voz, palavra por palavra, numa conversa com suas amigas. Esperava um só olhar, uma palavra, algo que pudesse denunciar um sentimento o qual me parecia inexistente da parte dela. Não obtive sucesso, como já era esperado.

Um dia porém, resolvi contar o que estava sentindo para alguns de meus colegas de classe, com o intuito de obter ajuda. Isso me pareceu uma atitude consciente, não poderia esperar que isso viesse a me prejudicar.

No dia da festa do final de ano, a garota dos cabelos dourados estava lá, dançando, maravilhosa, única, para mim era o melhor daquela festa. De repente, me surpreendendo, ela convidou-me para dançar. Mais um problema: eu não sabia dançar. Neguei o convite com uma desculpa, resolvi conversar com ela ao final da festa. Mas, percebendo que eu não fui dançar com a garota, meus colegas de classe tomaram a atitude de contar tudo sobre meu sentimento por ela, é claro que o ditado "Quem conta um conto, aumenta um ponto" era totalmente válido para a ocasião.

Ao final da festa me dirigi a ela decidido, seria naquele momento ou nunca. O nunca prevaleceu, pois ela simplesmente me ignorou, certamente influenciada pelos meus colegas. Nunca fiquei sabendo o que disseram a ela. Apenas sabia que era o fim, não havia mais motivos para continuar ali naquela escola, no mundo.

Uma lição daí foi tirada, o que prejudicou ainda mais minha vida: não se deve confiar em ninguém.

O ano seguinte pareceu ser muito pior, me encontrava com a garota todos os dias; tratávamos um ao outro com um desprezo não merecido.

Nesse ano havia uma garota nova na classe, vinda de outra escola. Não sei por qual razão fui o primeiro a conversar com ela; logo me tornei seu amigo. Mais rapidamente ainda a pedi em namoro. Tinha a intenção de esquecer definitivamente de meu primeiro amor, frustrado. Porém ela resistiu. Solicitou e recebeu de mim um tempo para pensar no assunto. Esse tempo, entretanto, nunca terminou, pois ela em poucos dias havia se mudado de residência e se transferido de escola. Abandonou-me sem me dar a resposta. Mesmo que ela me dissesse não, estaria eu mais tranquilo do que na situação indefinida em que estava.

No ano seguinte, nada de extraordinário aconteceu. Era o último ano que eu estudaria naquela escola, pois pretendia realizar um curso de aprendizagem profissional.

Realmente abandonei aquela escola. Deixei para trás os amores frustrados. Agora eu estava passando por um momento renovador. Uma escola com ar de empresa. Mais que um simples estudante, eu era um profissional em busca de uma maior especialização.

Simultaneamente com o curso de aprendizagem, realizei minha oitava série em uma outra escola. Nesse ritmo de buscar incansavelmente o conhecimento, eu esqueci totalmente que tinha a necessidade de amar alguém*.

Mas como não poderia deixar de acontecer, mais um fato inexplicável marcou a minha vida: uma garota nova na classe, que havia mudado de horário na escola, se aproximou de mim e desabafou sobre sua vida e seu grande amor. Disse que confiava em mim. Confiar em mim? Eu jamais havia conversado com essa garota antes; não havia motivos para ela se expressar daquele jeito.

Tinha quinze anos de idade, mas seu corpo denunciava uma mulher com pelo menos vinte e dois anos. Era simples. Não tinha o costume de conversar com as outras pessoas.

Apesar da surpresa, eu não tive a menor intenção de me apaixonar por essa garota. Fomos bons amigos. Ela me ensinou diversas coisas. Confesso que minha timidez diminuiu muito através do convívio com ela.

Entretanto, a amizade cultivada logo se foi. Desde o dia em que terminei minha oitava série e mudei mais uma vez de escola, nunca mais a vi.

Meu primeiro ano de colegial técnico revelou-me grandes surpresas. Conheci uma garota muito simpática. Inexplicavelmente ela me chamou a atenção dentre todas as outras pessoas de minha classe. Pela primeira vez eu estava saindo de casa somente com uma garota. Visitamos uma feira no Anhembi, e definitivamente nos conhecemos. Aproximei muito dela, me tornando um amigo quase inseparável. Quase, porque o destino me aprontou mais uma das suas. Sentia a necessidade de amar alguém*, de poder acariciar os cabelos de uma garota e de sentir seus carinhos. Me parecia que ela deveria ser essa garota. Eu confiava muito nela, talvez ela também confiasse em mim. Mas a história se repete, idêntica aos acontecimentos que marcaram o fim de meu primeiro amor. Fui traído por um amigo. Amigo? Não, depois que ele, sabendo de minhas intenções resolveu se antecipar e se declarar à garota, passou a ser meu principal adversário.

Entretanto, eu sabia que ela não namoraria comigo. Também sabia que meu amigo (adversário) não teria a menor chance de poder amá-la. Isso porque um antigo amor da garota estava retornando à tona. Assim, simplesmente desisti de tentar qualquer coisa, visto que não tinha convicção se o sentimento que me dominava era realmente amor.

Mas, no meio destes acontecimentos, recebi a visita de uma prima que veio de uma cidade muito distante. Já a conhecia, da infância. Apesar disso, ela me parecia diferente, não mais aquela menina que não me deixava em paz quando eu queria brincar. Ela estava linda, atraente, verdadeiramente mulher.

Uma curiosidade me fez aproximar dessa prima sem a menor cautela. Acabei por tornar-me seu amigo, já que ela dizia que eu inspirava confiança.

Uma vez, porém, quando eu me encontrava bem a sua frente, fixando (inexplicavelmente) meus olhos nos seus, ela me surpreendeu, beijando-me com um amor tal que tornou esse dia inesquecível em minha vida.

Meu primeiro beijo. Não o recebi de quem eu amava. Não premeditei o seu acontecimento. Jamais havia pensado que o receberia de uma mulher, bem mais velha do que eu, e além disso, minha prima.

Depois disso, minha vida ao mesmo tempo que se esclareceu, se tornou mais confusa.

Outros pequenos acontecimentos amorosos ocorreram. Cheguei a conclusão que não vale a pena relembrá-los. Pois todos são fruto de uma personalidade confusa, uma pessoa ao mesmo tempo tímida e caçadora de amores.

Mas a vida prossegue. Em uma viagem que realizei à uma pequena cidade, conheci uma pessoa fantástica. Sedutora, maravilhosa, carinhosa. Uma paixão cresceu dentro de mim. Um amor jamais sentido. Sem o interesse simples de se querer namorar com alguém.

Hoje, estou prestes a viver um grande amor. Ou talvez de ter mais uma desilusão amorosa. Estou preparado para tudo. Quem sabe, eu escreva uma história de amor com final feliz. Ou então, mais um capítulo dessa conturbada história que terei o prazer de chamar de "Meus Amores Frustrados".

*"Necessidade de amar alguém": demonstra uma condição de um ser humano exigida pela sociedade. Para que o homem seja valorizado, é necessário que tenha uma relação mais apurada com uma mulher.


Robson Martins - 09/09/1996

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