sábado, 14 de dezembro de 2024

GRANDE CANTATA DE NATAL - GIÓIA JÚNIOR

 




 

GRANDE CANTATA DE NATAL

Gióia Júnior

 

Cantarei o Natal,

mas o Natal-acontecimento,

o Natal exato,

realidade confortadora e simples,

o Natal sem sonhos.

Não o natal de Papai Noel,

de São Nicolau,

do trenó sobre a neve,

do buraco da fechadura,

da chaminé delgada e escura,

do farnel de brinquedos...

Não!

Esse, positivamente, não é o Natal,

esse é um natal de mentira,

inventado por alguém sem imaginação.

Não e não!

Postiço e falso é o natal dos brinquedos:

da árvore de bolas amarelas, verdes,

vermelhas, azuis, prateadas, douradas,

espelhando rostos alegres,

alongando e diminuindo feições sorridentes,

natal dos sapatinhos sob a cama,

dos olhos marotos do menino rico,

dos olhos parados do menino pobre.

Natal dos brinquedos:

a bola de futebol novinha cheirando a couro,

a boneca de porcelana

que fecha os olhos e tem vestidos ricos,

o aeromodelo, elegante e leve,

quebrando os copos da cristaleira,

os bibelôs do quarto,

aterrissando nas panelas da cozinha:

• "Menino, vá para o quintal!"

Natal dos embrulhos que guardam mistérios,

embrulhos de sonhos, de risos, de vida,

natal dos olhos curiosos.

A árvore verde

tem loucas vertigens e visões fantásticas:

veste-se de algodão

e debruns e estrelas

e lâmpadas coloridas

que riem o risinho do pisca-pisca:

"apagou... acendeu... apagou... acendeu..."

Não! esse, na verdade, não é o Natal!

E o presepe animado

do trenzinho correndo nos trilhos sinuosos:

"entrou no túnel comprido,

saiu da ponte, desceu a serra;

um operário malha a bigorna

ritmadamente,

os animais movem as cabeças".

Não! Esse não é o Natal!

... E a mesa farta:

leitões assados com rodelas de limão

sobre o corpo tostadinho, 

o peru recheado,

de peito aureolado em farofa cor de ouro,

os frangos, as frutas, as passas,

as ameixas pretas,

as tâmaras morenas,

avelãs, nozes, castanhas...

bebidas, bebidas, bebidas

escorrendo, gotejando, geladas, loiras, espumantes.

Não! Esse é o natal - glutoneria! 

Natal injusto é esse

que divide castas

e separa classes

e alegra os ricos

e esmaga os pobres...

Maldito seja o natal que os homens inventaram

para que a mãe pobre o celebrasse chorando,

resistindo aos apelos:

— Eu quero uma boneca!

e às perguntas:

— Papai Noel não vem?

e às queixas:

— Eu tenho fome! EU TENHO FOME!

Maldito seja o natal - privilégio dos ricos

que se mostram generosos

e distribuem migalhas aos pobres

para comprar, com esse gesto, um terreno no céu:

um belo terreno de esquina

com muitos metrôs quadrados

em avenida principal.

Já disse e repito:

maldito seja esse falso natal,

esse mesquinho natal,

esse corrompido natal!

E o natal - cumprimento:

telegramas urbanos,

parabéns, felicitações,

carta aérea, leve e curta,

bilhete escrito às pressas,

frase oca e vazia

bordada num cartão postal?

— Esse é o natal - hipocrisia

e está longe de ser o perfeito Natal!

Natal é muito mais:

é visão, esperança, certeza, humildade,

pastores, madrugadas, estrebaria,

e José e Jesus e Maria

e bondade e alegria!

Cantarei o Natal!

"Dormem no campo os pastores,

os que tangem rebanhos sonhando.

Dormi, pastores, que a noite é um lírio

perfumado e eterno, branco e silencioso,

dormi como justos,

como crianças travessas,

um sono leve e escuro, macio e indevassável,

deixai que a terra úmida

aconchegue vossos corpos.

Despertareis em sonhos,

despertos sonhareis a visão almejada.

Abrem-se céus como sulcos oceânicos

e embriagadora música emoldura a paisagem,

despertam figuras,

são anjos de largas e leves e rosadas asas,

brancas e celestes asas de pássaros gigantescos.

Despertai, homens do povo!

Humildes pastores das campinas verdes, despertai!

Anjos inquietos, suaves e claros

cantam em coro

o que ouvidos humanos jamais ouvirão...

escutai, pastores!

e guardai o cântico!

Guardai-o para que se não dilua,

guardai-o para que ainda o ouçamos

e dele falemos pelos séculos dos séculos. Amém."

Glória a Deus nas alturas!

Glória a Deus nas alturas!

Repitam os campos e os astros e as sombras

e a noite, nas trevas que se movem vagarosas,

e a terra quente, laboriosa e humana: _

Glória a Deus nas alturas!

E as muitas águas,

e as pedras escuras, lascadas, fendidas,

suspensas no abismo como gesto atrevido,

e as folhas verdes bailando e sorrindo

como dedos de criança,

e o capim cheiroso que as ovelhas comem,

e as sinuosas vertentes transparentes e ágeis,

repeti o coro que os anjos ensinam:

Glória a Deus nas alturas

e Paz na Terra aos homens de boa vontade!

Paz na Terra!

Apesar das bombas e dos acordos diplomáticos,

apesar do nevoeiro denso

que esconde navios compridos, cinzentos e armados,

apesar do ronco dos aviões ajato,

dos estampidos supersônicos,

dos campos de concentração

onde, os velhos mordiscam a morte

e os moços já não existem,

apesar das bandeiras,

das muitas bandeiras nervosas e bailarinas,

das inquietas bandeiras de asas mutiladas,

apesar da vingança e da conquista,

dos aleijados, dos órfãos, das viúvas,

apesar dos cadáveres sem túmulo,

expostos e pisados, apesar da insônia,

das fronteiras,

do ódio velado, do profundo ódio

dos que foram derrubados mas não se perturbam,

apesar das experiências atômicas,

Paz na Terra!

Paz na Terra aos homens de boa vontade!

Eis o Natal, criaturas,

vinde bebê-lo sem o auxílio de vasilhas e potes de barro dos muitos países,

vinde bebê-lo com as mãos em concha,

com quem se salva!

Vêm de longe os magos:

são silhuetas que os raios da estrela,

que os fios dourados da estrela do Oriente

puxam, fazem andar, fazem parar, ensinam...

Vêm de longe os magos

para a fonte da água...

Ouço vozes longínquas,

vozes ciclópicas, abafadas pela distância,

mas nítidas, definidas, exatas,

são vozes proféticas anunciando o tempo:

Isaías, Jeremias, Davi...

essas vozes completam o Natal,

definem e traduzem o Natal perfeito,

ouço vozes que cantam num coro harmonioso,

não há dissonâncias, nenhuma sequer.

O menino dorme embalado pela estrela,

José medita,

Maria sorri...

sorri pelos olhos, pela boca, pelo corpo,

acariciada por essa alegria repousante

que é ser mãe.

Os magos estão curvados

numa atitude obediente,

chegaram de muito longe

para viver o Natal!

Os pastores cantam, os pássaros deslizam,

não há nada morto,

tudo é vida abundante,

eis o Natal!

Cantarei o Natal!

Glória a Deus nas alturas e Paz na Terra aos homens!

Ecoe meu cântico pelas cercanias indevassáveis,

inunde os templos como vendaval impetuoso,

aqueça choupanas de famílias pobres,

alimente pobres, acenda nos olhos do menino triste.

O suave brilho da esperança presente, alimente pobres com o pão macio, branco e generoso, perfumado e quente.

Sacuda cidades o meu puro cântico e destrua planos de vingança e ódio.

Proclame o saltério, respondam as cordas, confirmem os arcos, com maviosas vozes, doces, sussurrantes, gritem as trombetas, chorem as mulheres, repitam os homens, cantem as crianças...

O Natal é isto: um misto de luzes e vidas, um misto de perdão e calma, mas calma profunda que nos satisfaz. O Natal de Cristo é o cântico eterno da perfeita Paz...

da Paz - verdadeira, da Paz - humildade, dessa Paz sincera proclamada aos homens:  

Paz na Terra aos homens de boa vontade!


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