GRANDE
CANTATA DE NATAL
Gióia
Júnior
Cantarei
o Natal,
mas
o Natal-acontecimento,
o
Natal exato,
realidade
confortadora e simples,
o
Natal sem sonhos.
Não
o natal de Papai Noel,
de
São Nicolau,
do
trenó sobre a neve,
do
buraco da fechadura,
da
chaminé delgada e escura,
do
farnel de brinquedos...
Não!
Esse,
positivamente, não é o Natal,
esse
é um natal de mentira,
inventado
por alguém sem imaginação.
Não
e não!
Postiço
e falso é o natal dos brinquedos:
da
árvore de bolas amarelas, verdes,
vermelhas,
azuis, prateadas, douradas,
espelhando
rostos alegres,
alongando
e diminuindo feições sorridentes,
natal
dos sapatinhos sob a cama,
dos
olhos marotos do menino rico,
dos
olhos parados do menino pobre.
Natal
dos brinquedos:
a
bola de futebol novinha cheirando a couro,
a
boneca de porcelana
que
fecha os olhos e tem vestidos ricos,
o
aeromodelo, elegante e leve,
quebrando
os copos da cristaleira,
os
bibelôs do quarto,
aterrissando
nas panelas da cozinha:
•
"Menino, vá para o quintal!"
Natal
dos embrulhos que guardam mistérios,
embrulhos
de sonhos, de risos, de vida,
natal
dos olhos curiosos.
A
árvore verde
tem
loucas vertigens e visões fantásticas:
veste-se
de algodão
e
debruns e estrelas
e
lâmpadas coloridas
que
riem o risinho do pisca-pisca:
"apagou...
acendeu... apagou... acendeu..."
Não!
esse, na verdade, não é o Natal!
E
o presepe animado
do
trenzinho correndo nos trilhos sinuosos:
"entrou
no túnel comprido,
saiu
da ponte, desceu a serra;
um
operário malha a bigorna
ritmadamente,
os
animais movem as cabeças".
Não!
Esse não é o Natal!
...
E a mesa farta:
leitões
assados com rodelas de limão
sobre o corpo tostadinho,
o
peru recheado,
de
peito aureolado em farofa cor de ouro,
os
frangos, as frutas, as passas,
as
ameixas pretas,
as
tâmaras morenas,
avelãs,
nozes, castanhas...
bebidas,
bebidas, bebidas
escorrendo,
gotejando, geladas, loiras, espumantes.
Não!
Esse é o natal - glutoneria!
Natal
injusto é esse
que
divide castas
e
separa classes
e
alegra os ricos
e
esmaga os pobres...
Maldito
seja o natal que os homens inventaram
para
que a mãe pobre o celebrasse chorando,
resistindo
aos apelos:
—
Eu quero uma boneca!
e
às perguntas:
—
Papai Noel não vem?
e
às queixas:
—
Eu tenho fome! EU TENHO FOME!
Maldito
seja o natal - privilégio dos ricos
que
se mostram generosos
e
distribuem migalhas aos pobres
para
comprar, com esse gesto, um terreno no céu:
um
belo terreno de esquina
com
muitos metrôs quadrados
em
avenida principal.
Já
disse e repito:
maldito
seja esse falso natal,
esse
mesquinho natal,
esse
corrompido natal!
E
o natal - cumprimento:
telegramas
urbanos,
parabéns,
felicitações,
carta
aérea, leve e curta,
bilhete
escrito às pressas,
frase
oca e vazia
bordada
num cartão postal?
—
Esse é o natal - hipocrisia
e
está longe de ser o perfeito Natal!
Natal
é muito mais:
é
visão, esperança, certeza, humildade,
pastores,
madrugadas, estrebaria,
e
José e Jesus e Maria
e
bondade e alegria!
Cantarei
o Natal!
"Dormem
no campo os pastores,
os
que tangem rebanhos sonhando.
Dormi,
pastores, que a noite é um lírio
perfumado
e eterno, branco e silencioso,
dormi
como justos,
como
crianças travessas,
um
sono leve e escuro, macio e indevassável,
deixai
que a terra úmida
aconchegue
vossos corpos.
Despertareis
em sonhos,
despertos
sonhareis a visão almejada.
Abrem-se
céus como sulcos oceânicos
e
embriagadora música emoldura a paisagem,
despertam
figuras,
são
anjos de largas e leves e rosadas asas,
brancas
e celestes asas de pássaros gigantescos.
Despertai,
homens do povo!
Humildes
pastores das campinas verdes, despertai!
Anjos
inquietos, suaves e claros
cantam
em coro
o
que ouvidos humanos jamais ouvirão...
escutai,
pastores!
e
guardai o cântico!
Guardai-o
para que se não dilua,
guardai-o
para que ainda o ouçamos
e
dele falemos pelos séculos dos séculos. Amém."
Glória
a Deus nas alturas!
Glória
a Deus nas alturas!
Repitam
os campos e os astros e as sombras
e
a noite, nas trevas que se movem vagarosas,
e
a terra quente, laboriosa e humana: _
Glória
a Deus nas alturas!
E
as muitas águas,
e
as pedras escuras, lascadas, fendidas,
suspensas
no abismo como gesto atrevido,
e
as folhas verdes bailando e sorrindo
como
dedos de criança,
e
o capim cheiroso que as ovelhas comem,
e
as sinuosas vertentes transparentes e ágeis,
repeti
o coro que os anjos ensinam:
Glória
a Deus nas alturas
e
Paz na Terra aos homens de boa vontade!
Paz
na Terra!
Apesar
das bombas e dos acordos diplomáticos,
apesar
do nevoeiro denso
que
esconde navios compridos, cinzentos e armados,
apesar
do ronco dos aviões ajato,
dos
estampidos supersônicos,
dos
campos de concentração
onde,
os velhos mordiscam a morte
e
os moços já não existem,
apesar
das bandeiras,
das
muitas bandeiras nervosas e bailarinas,
das
inquietas bandeiras de asas mutiladas,
apesar
da vingança e da conquista,
dos
aleijados, dos órfãos, das viúvas,
apesar
dos cadáveres sem túmulo,
expostos
e pisados, apesar da insônia,
das
fronteiras,
do
ódio velado, do profundo ódio
dos
que foram derrubados mas não se perturbam,
apesar
das experiências atômicas,
Paz
na Terra!
Paz
na Terra aos homens de boa vontade!
Eis
o Natal, criaturas,
vinde
bebê-lo sem o auxílio de vasilhas e potes de barro dos muitos países,
vinde
bebê-lo com as mãos em concha,
com
quem se salva!
Vêm
de longe os magos:
são
silhuetas que os raios da estrela,
que
os fios dourados da estrela do Oriente
puxam,
fazem andar, fazem parar, ensinam...
Vêm
de longe os magos
para
a fonte da água...
Ouço
vozes longínquas,
vozes
ciclópicas, abafadas pela distância,
mas
nítidas, definidas, exatas,
são
vozes proféticas anunciando o tempo:
Isaías,
Jeremias, Davi...
essas
vozes completam o Natal,
definem
e traduzem o Natal perfeito,
ouço
vozes que cantam num coro harmonioso,
não
há dissonâncias, nenhuma sequer.
O
menino dorme embalado pela estrela,
José
medita,
Maria
sorri...
sorri
pelos olhos, pela boca, pelo corpo,
acariciada
por essa alegria repousante
que
é ser mãe.
Os
magos estão curvados
numa
atitude obediente,
chegaram
de muito longe
para
viver o Natal!
Os
pastores cantam, os pássaros deslizam,
não
há nada morto,
tudo
é vida abundante,
eis
o Natal!
Cantarei
o Natal!
Glória
a Deus nas alturas e Paz na Terra aos homens!
Ecoe
meu cântico pelas cercanias indevassáveis,
inunde
os templos como vendaval impetuoso,
aqueça
choupanas de famílias pobres,
alimente
pobres, acenda nos olhos do menino triste.
O suave brilho da esperança presente,
alimente pobres com o pão macio, branco e generoso, perfumado e quente.
Sacuda cidades o meu puro cântico e destrua
planos de vingança e ódio.
Proclame o saltério, respondam as cordas,
confirmem os arcos, com maviosas vozes, doces, sussurrantes, gritem as
trombetas, chorem as mulheres, repitam os homens, cantem as crianças...
O Natal é isto: um misto de luzes e vidas, um
misto de perdão e calma, mas calma profunda que nos satisfaz. O Natal de Cristo
é o cântico eterno da perfeita Paz...
da Paz - verdadeira, da Paz - humildade, dessa
Paz sincera proclamada aos homens:
Paz na Terra aos homens de boa vontade!
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