quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

O PROBLEMA DA LIBERDADE

 



O PROBLEMA DA LIBERDADE.

Mário Ribeiro Martins*



Evidentemente, o problema da liberdade não é aqui analisado do ponto de vista jurídico. Embora ele faça parte da Filosofia Social, disciplina que faz uma reflexão critica e sistemática sobre os ideais sociais, deve ser focalizado numa perspectiva filosófica mais ampla.

Inicialmente deve-se estabelecer as relações entre liberdade e constrangimento, isto porque se pode entender por liberdade a ausência de constrangimento, enquanto este não é outra coisa, senão a ação frustradora ou o ato de obrigar por força.

Para muitos, a liberdade é a ausência da frustração. Ser livre é a capacidade de fazer o que realmente se deseja. Há um duplo aspecto na liberdade: ou é a capacidade suficientemente poderosa para dobrar o mundo à vontade do sujeito ou é a capacidade suficientemente flexível para adaptar a vontade do individuo ao inevitável.

Ser livre pode ser a capacidade de fazer o que quiser quando quiser, mas também pode ser a capacidade de fazer bem mais o que quiser. A liberdade é um valor que nem sempre vale o preço de outros valores. Outrora, era livre o individuo que não estava subjugado pela escravidão. Não se pode negar, por outro lado, que certos constrangimentos, como a pobreza, a doença e a ignorância não tolham a liberdade.

Deve-se estabelecer, contudo, a distinção entre liberdade de fazer algo e a liberdade para fazer algo. Não chegam a ser dois tipos diferentes de liberdade, mas os dois lados da mesma moeda.

Comumente, fala-se e prega-se a liberdade. Mas não mencionar os motivos da liberdade ou mesmo a liberdade de quem, nada significa. Tanto socialistas quanto capitalistas podem, por exemplo, usar a expressão liberdade econômica. Embora a expressão seja a mesma, os sentidos, no entanto, são diferentes, pois para os socialistas a expressão significa libertação do individuo de dificuldades econômicas, enquanto para os capitalistas a expressão significa libertação da economia do Estado.

Deve-se levar em conta também a liberdade positiva e negativa. A primeira está relacionada com os constrangimentos positivos como, por exemplo, moralidade, perfeição, em que o individuo deixa de fazer algo porque tem moral. A segunda está relacionada com os constrangimentos negativos como, por exemplo, a falta de dinheiro, de habilidade e de conhecimento, em que o individuo deixa de fazer porque lhe falta algo. A liberdade, por outro lado, é uma forma de autocontrole, porque o individuo descontrolado verdadeiramente não é livre, mas escravo.

A liberdade é também autonomia e nesse sentido, a palavra é mais usada em relação à política, ou mais precisamente em termos de Estado. Dir-se-ia também que a liberdade é permissão e capacidade. Quando se diz, por exemplo, que João tem liberdade para cantar, se quer dizer que lhe é permitido cantar, mas ele não é obrigado.

Karl Jaspers, falando especialmente sobre a liberdade política, argumenta: “Terrível é que a liberdade abrigue em si mesma, o germe da corrupção”. Fora da liberdade a perdição do individuo é uma possibilidade inevitável: com liberdade, a perdição é apenas possível.

Ao perguntar se a liberdade é boa ou má, Joel Feinberg responde com a afirmativa de James Stephen: “A indagação de ser a liberdade uma coisa boa ou má soa tão irracional quanto a indagação de ser o fogo uma coisa boa ou má”. De fato, tanto em termos de fogo quanto em termos de liberdade há sempre relatividade. Num incêndio, por exemplo, o fogo é ruim, mas numa clareira onde um avião caiu é bom. Assim, a liberdade.

Os conceitos de liberdade que se possa conhecer resumem-se em torno de dois princípios: o principio liberal, segundo o qual a liberdade seria a garantia ao cidadão para fazer qualquer coisa que desejasse e neste caso, não se justificaria o poder coercitivo do Estado. O principio formal, segundo o qual a liberdade seria exercida até onde não interferisse com a liberdade de ontem.

Evidentemente a liberdade está sendo tratada aqui de uma perspectiva filosófica e não jurídica. Sendo assim, uma reflexão sobre a liberdade importa em questionar e colocar dúvidas.

J. S. Mill argumenta, por exemplo, que a interferência social não cabe nos casos que digam respeito apenas ao próprio indivíduo. Seria verdade? De modo geral, os atos do individuo por mais isolados que sejam afetam também os que estão ao ser redor. Assim, a liberdade se apresenta revestida de certa relatividade. Se a liberdade é tão relativa seria ela inerente à natureza humana? Jaspers diz: “Não cabe proceder como se a liberdade se impusesse por si mesma e independesse de nós”.

O problema da liberdade é um dos mais sérios que enfrenta o homem, não só em termos de liberdade individual quanto também no sentido da liberdade coletiva, já que o conceito de liberdade envolve uma trama tão grande de aspectos que se torna difícil delimitar e especialmente aplicar ao viver diário.

Não se pode negar que existe uma liberdade negativa. Ambas são necessárias ao individuo porque são elas que permitem certo equilíbrio quanto ao que o individuo deve fazer e quanto ao que não deve fazer.

A ausência de constrangimentos negativos e que seria, no dizer de Joel Feinberg, a liberdade positiva poderia ser considerada mais digna, mas não o é. A ausência de constrangimentos positivos e que seria ainda no dizer de Feinberg, a liberdade negativa, poderia ser considerada menos digna, mas não o é.

Não se deve confundir as especulações que se faz sobre a liberdade no seu sentido geral com a chamada liberdade política que apresenta constrangimentos bem mais implicantes, pela própria natureza e até mesmo pelos interesses e pelo “status quo” social.

O fenômeno da liberdade ponderada é complexo porque quando uma pessoa pondera que é livre, essa liberdade pode significar que ela seja livre de doenças contagiosas, como também pode significar que seja livre para fazer algumas coisas ou ainda pode significar que seja livre para não fazer o que não deseja.

Perguntar-se-á: quem é mais livre? Quem não faz o que não quer ou quem faz o que quer? A própria negativa do individuo que não faz o que não quer, já indica constrangimento e sempre que há qualquer constrangimento a liberdade se delimita.

Parece ser mais positivo fazer o que se quer do que não fazer o que não se quer. Em ambos os casos, no entanto, a liberdade se configura, só que no primeiro caso, a liberdade é constrangedora porque há um dualismo, ou seja, o individuo não quer fazer (mas podia ou devia ser feito). No segundo caso, a liberdade não é constrangedora porque não há dualismo ou seja o individuo voluntariamente quer fazer.

Dizer que alguém é mais livre do que outrem é dizer que sua liberdade tem dimensões valorais maiores, ou seja, os valores de que o individuo pode usufruir são mais significativos.

Para se compreender a natureza humana há a necessidade do entendimento completo da liberdade. Ela se apresenta de modos diferentes aos diversos indivíduos. Se a pessoa faz mau uso da sua liberdade, as consequências se refletem não somente sobre ela, mas também sobre a liberdade dos outros.

É exatamente por isso, ou seja, por causa do dano provocado que a sociedade toma a si o direito e a responsabilidade de restringir a liberdade de alguns indivíduos, a fim de impedir que prejudiquem a liberdade de outros.

O dano que pode ser provocado por alguém a outrem quando há o avanço do sinal da liberdade pode se expressar através da invasão de uma determinada área de interesse. De fato, o interesse de alguém nem sempre é o seu desejo. Mas o dano provocado pode ser também manifestado através de uma lesão que pode ser corporal, psíquica, etc. O dano provocado se expressa pela ofensa que será maior ou menor, conforme as consequências que possa provocar.

Uma outra forma de provocar-se o dano é com a ausência do beneficio, como, por exemplo, num acidente em que não se socorre a vitima, mesmo que tenha sido vitima de um outro carro. Todos estes fatos são princípios limitativos de liberdade e estão intimamente relacionados com o problema da doutrina da liberdade.

Do ponto de vista jurídico ou mesmo do ponto de vista da Filosofia Social, a problemática da liberdade comporta considerações mais elásticas e mais profundas, no entanto, o que se tem aqui é uma reflexão filosófica sobre a liberdade em linguagem simples.

Victor Hugo chegou a dizer: "A liberdade é, na filosofia, a razão. Na arte, a inspiração. Na política, o direito". Uma das realidades mais significativas, no entanto, foi expressa por H. L. Mencken, quando disse: "Precisamos estar dispostos a pagar pela liberdade, pois, por mais dispendiosa que seja, custa menos que a sua falta". 

(FILOSOFIA DA CIÊNCIA, Goiânia, Oriente, 1979, página 205).



MÁRIO RIBEIRO MARTINS - ERA PROCURADOR DE JUSTIÇA E ESCRITOR.

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