quarta-feira, 9 de julho de 2025

AS TROMBETAS DO CAPELÃO GOREN - MÁRIO RIBEIRO MARTINS

 





AS TROMBETAS DO CAPELÃO GOREN.

Mário Ribeiro Martins*


(REPRODUÇÃO PERMITIDA, DESDE QUE CITADOS ESTE AUTOR E O TÍTULO, ALÉM DA FONTE).



O conflito árabe-israelense, que tantas viagens, entrevistas e desgostos tem dado a Kissinger e ao mundo inteiro, tem em seu fundo, heterogêneas complexidades. Através da História e desde a antiguidade, essas duas raças têm convivido, porém jamais se entendido e nem o transcurso dos séculos conseguiu diminuir os ódios mútuos.
Jerusalém é o foco de múltiplos problemas religiosos. Quando, durante a guerra dos Seis Dias, Israel conquistou a parte da Cidade Santa que era ocupada pela Jordânia, falou-se com insistência de que os Judeus reconstruiriam o templo que sonhou Davi e edificou seu filho Salomão para depositar debaixo de suas abóbadas a Arca da Aliança.
Destruído tão histórico monumento tem-se crido em distintas oportunidades que a suprema aspiração do povo hebreu se concentra em fazê-lo, como proclamam em suas pregações, ainda que o rabino Eisenberg tenha escrito que essas orações se fazem de maneira convencional e ritualística ou, pelo menos, só com a intenção simbólica.
A reconstrução do templo de Jerusalém, segundo essa autoridade religiosa, não depende em nenhum caso dos homens.
A realização do propósito encontraria dificuldades teológicas insuperáveis, porque provocaria uma multidão de questões que o judaísmo atual não saberia resolver, especialmente quanto à natureza do culto litúrgico que seria preciso restaurar. Trata-se, ademais, de uma questão que não preocupa, nem apaixona aos hebreus e que as hierarquias religiosas não querem enfrentar. As belíssimas mesquitas de Omar e o Aqsa que se acham no antigo solar cercando o templo, beneficiam o judaísmo ainda que indiretamente.
Alguns textos hebraicos contêm a promessa de que o futuro terceiro templo descerá do céu completamente edificado e em sua virtude. Considera-se que o mais razoável e litúrgico é aguardar que a promessa se cumpra. Israel arriscaria tudo se pretendesse modificar a situação atual dos Lugares Santos. Nem todos os judeus pensam deste modo e alguns encontram poderosas razões para anelar a imediata reconstrução.
Sua mais dolorosa tristeza é haver perdido o rito maior com que no templo se comemorava o Roch Hachanah ou Ano Novo - e dez dias depois - o Yom-Kippur ou dia do Perdão. Nesta ocasião era enviado ao deserto um bode expiatório simbolicamente carregado com todos os pecados de Israel e que se convertia no réu do castigo.
Desde a destruição do monumento salomônico o rito do bode emissário tem sido evocado frequentemente, porém não em forma tangível e concreta, senão imaginada. Dizem os judeus que, mesmo sendo injusta a acusação de que a eles se devem todos os pecados do Ocidente, reconstruir o templo seria restabelecer aquele tradicional rito com o fim de que os bodes emissários expiassem os erros cometidos.
A grande maioria dos judeus crentes - cada dia há mais agnósticos - ao contemplar o atormentado destino do povo hebreu adverte as multidões fazendo analogias com os sinais premonitórios que na Bíblia assinalam o fim dos tempos.
Fato muito significativo foi que quando os soldados, no curso da guerra dos Seis Dias, chegaram ao Muro das Lamentações, o Capelão Goren fez soar as trombetas ou mais corretamente, o chifre de um carneiro pai. Esta evocadora iniciativa resumia os sentimentos de numerosos judeus, que criam com firmeza que os feitos que caracterizam a História do Estado de Israel indicam e revelam seu caráter messiânico.
Na noite do passado 12 de setembro os judeus entraram no ano 5.734 de sua era, segundo seu cômputo tradicional que coincide com o advento dos tempos bíblicos e se ajusta, mais ou menos, aos acontecimentos históricos. A antiga sociedade hebraica conheceu diversos calendários e o Talmund cita quatro "Anos Novos": o civil, que começa na primavera, o do gado - paga do dízimo - no outono, o da arboricultura, no término do inverno, e o religioso (primeiro de tichri) que sucede cair entre o 6 e o 5 de outubro, porque depende do calendário astrológico (sol e lua) judeu.
O texto bíblico não fala do Ano Novo, senão do Dia das Campanhas. Na tradição hebraica, o Roch Hachanah se denomina Dia do Juízo e Dia da Recordação. Até o século XVI substituiu unicamente o Ano Novo religioso, uma das duas grandes comemorações do judaísmo, a outra é o Yom-Kippur, Dia do Perdão.
Uma corrente mística impôs no século XVI o Ano Novo das árvores, para o qual se criou um ritual específico com numerosos símbolos inspirados ou tomados da Calaba. Tal festividade tem hoje em Israel uma multidão de manifestações populares e cada indivíduo tem de plantar uma árvore, porém sem significação religiosa.
O genuíno Ano Novo se comemora nos dois primeiros dias de Techri, porque a tradição exige que a festa se celebre por partida dupla. Sua significação é essencialmente espiritual.
O rito do Ano Novo transcorre em ambiente dramático. O judaísmo concede à vida um valor absoluto porque o homem tem de servir a Deus e a cada jornada está obrigado a conduzir uma Luz distinta, até que a morte termine sua missão. "Os mortos - disse o salmista - não louvam o criador".
Em consequência uma vez no ano o tema da morte é a meditação máxima da comunidade e se traduz em grandes pregações que assinalam a fragilidade da vida humana. Durante as cerimônias do Ano Novo, nas roupas litúrgicas é indispensável o branco, cor do sudário, porém o que dá maior impressão aos ritos da sinagoga, até criando uma atmosfera angustiosa, é o persistente sonido do chifre do carneiro, que vai acentuando os diversos atos do ofício.
É um sonido repetido e prolongado, de uma só nota a "tekia", outro de três notas mescladas as "chevaim", e um sobremaneira estrondosa de nove notas, a "terva". Significam, respectivamente, "início", "ruptura" e "tremor".
O Dia da Recordação tem como interpretação que todas as ações humanas são pesadas na presença de Deus. O Dia do Juízo indica a sorte dos homens no ano que vai vir e se apresenta como um grande livro aberto onde tudo está escrito e onde os seres humanos vivos passam diante de Deus como um rebanho ante seu pastor.
A buzina que fez soar Goren quando os soldados israelenses chegaram ao Muro das Lamentações não se interpreta como a grande chamada que marca "o fim dos tempos", porque nenhum acontecimento estritamente histórico pode cumprir as completas promessas da mística hebraica que no século X expunha a grande teologia de Gaon Saadia. Afirmou este que a trombeta soará em dez solenes ocasiões, uma das quais será para reunir os ausentes. "E acontecerá naquele dia: se tocará a grande trombeta e virão os perdidos na terra da Assíria e os dispersos na terra do Egito e se prostrarão ante Jeová no monte santo de Jerusalém" (Isaías 27:13).
As circunstâncias em que têm vivido os súditos de Israel explicam suas inquietações religiosas. O petróleo dos países árabes lhes tem imposto uma transição, demonstrando-lhes que esse carburante move também o motor da História. (JORNAL BATISTA. Rio de Janeiro, 07.04.1974).



MÁRIO RIBEIRO MARTINS - ERA PROCURADOR DE JUSTIÇA E ESCRITOR.

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