O PENSAMENTO EPISTEMOLÓGICO
DE PIAGET.
Mário Ribeiro Martins*
(REPRODUÇÃO PERMITIDA, DESDE QUE CITADOS O AUTOR, A FONTE E O TÍTULO).
A epistemologia de Jean Piaget é essencialmente genética e foi elaborada através de duas obras escritas por ele, uma em 1950, intitulada INTRODUCTION À L’ÉPISTEMOLOGIE GENETIQUE e a outra, em 1972, denominada L’ÉPISTEMOLOGIE GENETIQUE, além de outras obras especialmente epistemológicas, produto todas elas dos estudos feitos por Piaget durante cerca de vinte anos, no Centro Internacional de Epistemologia Genética de Genebra.
A epistemologia piagiana é profundamente cientifica e completamente distinta da teoria filosófica. O geneticismo na epistemologia piagiana se estende a todos os campos das ciências humanas e sua metodologia possibilitou a Piaget sérios estudos no campo de desenvolvimento infantil, tais como, o problema do número, da inteligência, da aquisição da linguagem, da formação do juízo moral, de tal modo que seu conceito de epistemologia passa a ser o estudo da constituição dos conhecimentos válidos.
A ciência, conforme o entendimento de Piaget, deve ser o resultado de três elementos reunidos: elaboração de fatos, formalização matemática e controle experimental.
No entender de Hilton Japiassu, o método completo da epistemologia genética é constituído por uma intima colaboração dos métodos histórico-criticos e psicogenéticos. Este é capaz de fornecer o conhecimento das etapas elementares dessa constituição progressiva. Aquele é capaz de fornecer o conhecimento das etapas intermediárias da mesma constituição progressiva.
O fato de Jean Piaget recusar uma epistemologia de fundamento filosófico, não significa uma negação filosófica, mas significa tão somente que a filosofia como especulação, é apreciativa, interpretativa e tem a resposta no momento em que a ciência se cala, formando pontes entre os domínios controlados pelo conhecimento cientifico.
O pensamento epistemológico de Piaget compreende dois tipos de epistemologia genética: a restrita e a generalizada. A primeira se preocupa com uma análise psicogenética ou histórico-crítica das maneiras de crescimento dos conhecimentos. A segunda se preocupa com o estudo do sistema de referência, dentro de um processo apenas genético ou histórico.
Para Piaget há um íntimo relacionamento entre a Psicologia Genética e a Epistemologia Geral e toda a sua obra epistemológica pretende a construção da epistemologia genética que não é outra coisa senão a transição ou o ponto intermediário entre Psicologia e Epistemologia. Para ele, os conhecimentos resultam de uma construção que é a criação constante de novas estruturas e daí a interdisciplinaridade da epistemologia.
Embora Piaget defenda um pensamento epistemológico sem base filosófica, ele não é hostil à filosofia, como se poderia pensar à primeira vista, porquanto reconhece, como já o fizera Garaudy, que a essência filosófica está intrinsecamente presente em todas as coisas e em todas as áreas e facetas do saber humano. Se assim é, a especulação filosófica só pode ter um lugar assegurado dentro do conhecimento cientifico, não para defini-lo, mas para dar aquela diretriz, respondendo a questões que a sabedoria da ciência, não teria condições de fazê-lo.
A epistemologia genética de Jean Piaget constitui hoje uma das melhores contribuições para o estudo da Filosofia da Ciência e de seu desenvolvimento, com uma abertura nova, séria e cientifica, em termos das implicações do relacionamento Filosofia e Ciência que, embora com características diferentes, não apresenta um abismo intransponível entre elas. Ao contrario, filosofia e ciência se completam, bastando notar-se a historia de seus caminhos e os fins a que se destinam.
Daí dizer Karl Jaspers: “A filosofia é perturbadora da paz, porque busca a verdade nas múltiplas significações”. E continua dizendo: “Na medida em que o investigador, inspirado por esse instinto e conduzido por ele, penetra cada vez mais fundo no que é concretamente cognoscível, a FILOSOFIA SE FAZ CIÊNCIA”.
Mesmo tendo dado títulos sem implicações genéticas aos seus livros, denominados L’ÉPISTEMOLOGIE DES SCIENCES DE L’HOMME, LOGIQUE ET CONNAISSANCE SCIENTIFIQUE, PSYCHOLOGIE ET EPISTEMOLOGIE, publicados, respectivamente, em 1970, 1967 e 1970, Jean Piaget trata da Epistemologia Genética através de uma análise profunda dos temas propostos, dando sempre cientificidade ao pensamento epistemológico.
Enquanto o pensamento positivista condena todo tipo de filosofia, empreendendo mesmo uma campanha contra qualquer tipo de especulação, o pensamento piagiano crê que o cientista que não percorre o caminho da filosofia continua portador de uma doença grave.
Por isto Piaget se opõe tanto ao positivismo quanto à especulação. Opõe-se àquele porque só aceita os fatos observáveis. Opõe-se a esta porque não oferece instrumentos de controle e verificação. O fato é que, além dos muitos méritos de Piaget pelos quais coloca o seu nome na história do pensamento humano, o maior deles é o fato de ter edificado uma base experimental própria para a epistemologia.
Deve ser lembrado, no entanto, que a epistemologia genética de Jean Piaget é extraordinariamente kantiana, no sentido de que o objeto conhecido é ao mesmo tempo, um dado e uma construção. O construtivismo genético e estruturalista de Piaget determina as condições em que se constrói o sujeito cognoscente.
Daí a pergunta de sua epistemologia genética ser sobre como a inteligência se constrói. De qualquer modo, no projeto de qualquer ciência, está sempre presente o pressuposto filosófico.(FILOSOFIA DA CIÊNCIA, Goiânia, Oriente, 1979, página 243).
MÁRIO RIBEIRO MARTINS - ERA PROCURADOR DE JUSTIÇA E ESCRITOR.

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