RELIGIÃO E SOCIOLOGIA
(GILBERTO FREYRE)
Mario Ribeiro Martins*
“Estou gozando a minha estada aqui nesse belo Seminary Hill. O Seminário está distante da cidade. É uma bonita vista a que se vê em torno dos seus dois grandes edifícios. Há 300 estudantes no Seminário e Training School”.
Finalmente, acentuou Gilberto Freyre: “A vida corre agradável. Visitei hoje e tive boa palestra com o professor de Missões, Mr. Knighe. É jovem, inteligente e preparado. Eu o quisera ver no Brasil, como missionário. Falei ao velho Grambell (1), o papai dos batistas do Texas. Hoje à noite, falarei a um grupo de mexicanos, entre os quais, o Seminário - professores e estudantes que fazem trabalho missionário. Misturarei ao meu Espanhol um pouco de Português” (CARTA DE UM SEMINARISTA, A MENSAGEM. RECIFE, 15.03.1919).
A linguagem de Gilberto Freyre, como se vê, era a de um autêntico seminarista. Somente um candidato ao Ministério Evangélico teria essa preocupação de visitar um Seminário, conversar com professores e alunos sobre a obra missionária.
Seu amigo R. S. Jones (2), a quem chama de belo camarada, era seminarista e tornou-se posteriormente missionário, daí a afinidade entre eles, tendo sido Pastor da Igreja Batista da Capunga, no Recife, onde frequentavam os parentes de Gilberto Freyre (3).
Seu desejo de ser missionário, pastor, evangelista ou coisa que o valha, já havia se revelado no Recife, através de suas pregações e se intensificara nos Estados Unidos ao visitar o SOUTHWESTERN BAPTIST THEOLOGICAL SEMINARY (Seminário Teológico Batista do Sudoeste), no Texas, onde chegou a estimular vários professores da instituição a virem ao Brasil como missionários.
José Lins do Rego, numa biografia que Gilberto Freyre não permitiu que fosse publicada e cujos trechos (alguns deles) foram revelados por Diogo de Melo Menezes, em seu livro (GILBERTO FREYRE, Rio de Janeiro, CEB, 1944), mostra o misticismo do autor de CASA GRANDE & SENZALA e como ele se sentiu vocacionado para a obra missionária.
A descrição que Gilberto Freyre fez do grande pregador evangélico Billy Sunday é simplesmente extraordinária e não fora conseguida por nenhum outro ouvinte, nem mesmo pelos famosos professores de Homilética que lidavam constantemente com os problemas dos gestos nas pregações.
Seu interesse por Billy Sunday, pelo conteúdo da mensagem, pela maneira como a mensagem era apresentada, pelo modo de orar, pela técnica aplicada no apelo e por todo o comportamento de Billy durante a pregação revela o desejo de aprender de Gilberto, para aplicar no Ministério Evangélico e nas suas pregações.
O missionário W. C. Taylor (William Carey Taylor), que fora professor de grego do estudante Gilberto Freyre, no Colégio Americano Gilreath (hoje Colégio Americano Batista), escrevendo o seu livro A BRIEF SURVEY OF THE HISTORY BRAZILIAN BAPTIST DOCTRINE, declarou que o futuro Mestre de Apipucos, tendo solicitado carta de transferência da Primeira Igreja Batista do Recife, tornou-se membro da SEVENTH AND JAMES BAPTIST CHURCH, quando de sua estada nos Estados Unidos, particularmente na Universidade de Baylor.
A seriedade da declaração se expressou nestes termos: “Um foi Gilberto Freyre. Naquele tempo, o mais amado pregador batista em Pernambuco e continuou a vida assim, enquanto foi membro da Seventh and James como Dr. Melton me informou”. (Taylor, BRAZILIAN BAPTIST DOCTRINE, p. 57).
Esta afirmativa, repito, levou o pesquisador a escrever uma carta à mencionada Igreja, em Waco, Texas, solicitando algumas informações a mais sobre a passagem do jovem brasileiro por ali.
O Pastor da Igreja, Rev. David Mathews, consoante carta em poder deste autor, confirmou a passagem de Gilberto Freyre por aquela comunidade de fé. Suas falas, como Gilberto chama a pregação, aos diversos grupos da igreja. Ratificou e confirmou a declaração do Dr. W. W. Melton, ex-pastor da Seventh and James, na época de Gilberto Freyre, tendo dito que o jovem brasileiro era bom pregador, enquanto foi membro da igreja.
Finalmente, disse o Rev. David Mathews, em carta datada de 05.01.1973: “Nós temos sido incapazes de achar melhores registros concernentes a Gilberto Freyre, mas ele fez parte da Igreja como membro e também da BYPU (Baptist Young People Union) ou seja União Batista de Jovens, onde falou ao grupo em várias ocasiões sobre o Brasil e suas possibilidades para a obra missionária. Isto foi há muito tempo e nossos registros não podem ser tão acurados”. (DAVID MATHEWS, Carta da Seventh and James Church. Waco, Texas, 05.01.1973).
Em Waco, além da Universidade Batista de Baylor, estava a Igreja Batista da Rua Setenta, esquina com a Rua James, daí o nome da igreja no original. A esta igreja frequentavam quase todos os jovens que se matriculavam na Universidade, especialmente, os que vinham de fora do país.
Além de Gilberto Freyre que fora um de seus membros, dela participaram também ilustres brasileiros: Orlando do Rego Falcão, posteriormente Reitor do Seminário Batista do Norte do Brasil, no Recife. Edgar Ribeiro de Brito, filho de um Senador Federal e que se formara em Ciências Físicas. Guedes Pereira e Ivo Araújo, filhos do Senhor de Engenho de Amaragy.
Todos estes foram colegas de Gilberto Freyre na Universidade de Baylor e nas andanças pela Igreja Batista Seventh and James, conforme as declarações do próprio Gilberto Freyre, escrevendo para o DIARIO DE PERNAMBUCO, no dia 31.12.1972, sob o titulo “DEPOIMENTO DE UM EX-MENINO PREGADOR”.
Da série de perguntas feitas pelo pesquisador à Igreja Batista Seventh and James, nem todas foram respondidas, de algum modo, pela distância do tempo e pela falta de informações, já que se tratavam de perguntas minuciosas.
As verdadeiras nascentes culturais e espirituais, de onde jorrou a fabulosa obra do festejado Mestre de Apipucos já foram expostas através deste despretensioso estudo. Conforme crônicas publicadas na revista O CRUZEIRO, Gilberto Freyre reclama de uma maior participação evangélica na vida cultural do país.
“O Menino de Jesus”, Pregador e Estudante de Baylor em 1918, poderia ter dado esta contribuição. Mas não o fez. Muitas vezes, na tentativa de fugir do meio protestante, apresenta um labirinto de nomes e ideias.
E é com muita má vontade, que aceita o fato histórico de que foi membro de uma Igreja Batista, tanto no Brasil - Primeira Igreja Batista do Recife - quanto nos Estados Unidos, Seventh and James Church. Waco, Texas e daí falar de um cristianismo seu, o que é condenado por Paulo, em Gálatas 1: 8, quando diz: “Mas ainda que nós mesmos ou um anjo do céu vos anuncie um Evangelho diferente do que nós vos temos anunciado, seja ANÁTEMA”.
Contudo, há uma esperança, porque também ainda existe vida: É o retorno ao cristianismo. Cristianismo sem sobrenomes, que não seja burguês, mas também não seja anárquico, antes constitua uma certeza. “Sem certeza”- disse Lutero- “não há cristianismo. O cristão deve estar certo da sua doutrina e da sua causa, ou não é cristão”.
Há homens que nascem em determinada época e lugar para realizar grandes obras. É o caso de Gilberto Freyre. A confirmação desta grandiosidade seria uma volta à fé cristã da sua adolescência, porque constituiria também um respeito aos apelos feitos pela consciência do MENINO PREGADOR: “QUEM QUER SER DO JESUS DE QUE ACABO DE FALAR”?
Aliás, isto é perfeitamente bíblico: “Quem não se tornar semelhante a uma criança, não entrará no reino dos céus” (Mateus 18:3).
A jovem Esther somente descobriu o sentido da vocação, quando já estava no trono como Rainha. Só então convenceu-se de que havia um serviço que podia e devia prestar ao seu povo.
Não seria este, porventura, um bom caminho para o autor de CASA GRANDE & SENZALA?
Mas seria necessária a luta que precede às grandes decisões. E muito mais. Talvez uma reflexão profunda sobre as palavras de Paulo, quando vendo em ruínas o seu farisaísmo pernicioso, tremendo e atônito bradou: “SENHOR, QUE QUERES QUE EU FAÇA?” E coube a Ananias, na sua humildade e obediência, interpretar o sentido da vocação de Paulo, conforme dada pelo Senhor: “Vai, porque este é para mim um vaso escolhido, para levar o meu nome perante os Gentios e os Reis” (Atos 9:6).
Em seu livro recentemente lançado "ALÉM DO APENAS MODERNO", Gilberto Freyre revela um profundo conhecimento teológico, certamente, produto daquele contato com os missionários, com a Igreja, com os livros teológicos, alguns deles traduzidos pelo seu próprio pai e com os grandes pregadores da época, o maior deles, Billy Sunday, que ele tivera a oportunidade de ver e ouvir nos Estados Unidos.
(CORREIO DO PLANALTO. Anápolis, 03.09.1980).
(1) James Bruton Gambrell, conhecido como “velho papai dos batistas do Texas” era Editor, Professor do Seminário e Líder batista no Estado. Tornou-se Superintendente das Missões no Texas, desde 1896 até 1910. No ano de 1918, quando Gilberto esteve lá, ele tinha sido eleito Presidente da Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos, a maior Convenção Batista do Mundo. Foi como Presidente desta Convenção que, por sinal, sustentava o Colégio Americano Gilreath, que ele ouviu as informações do jovem brasileiro.
(2) R. S. Jones foi um dos fundadores da Igreja Batista da Capunga, no Recife, em 19.04.1923, com 13 membros, entre os quais, W. C. Taylor, Reverendo J. L. Dawning, Adalgisa Wanderley, Reverendo R. S. Jones, Seminarista Acácio Vieira Cardoso. Foi Pastor desta Igreja até 1930, quando retornou para os Estados Unidos, ficando em seu lugar, o Pastor José Munguba Sobrinho, que tomou posse no dia 06.07.1930.
(3) É bom relembrar que embora Gilberto Freyre esteja distanciado da Igreja institucionalizada (e daí dizer que não é católico, nem protestante, mas que possui o seu cristianismo), suas raizes familiares ainda estão vinculadas a uma comunidade de fé. Quem tiver o ensejo, por exemplo, de visitar a Igreja Batista da Capunga, no Recife, Rua João Fernandes Vieira, 769, Boa Vista, poderá conhecer não somente Dona Gasparina Freyre Costa, membro da Igreja há mais de meio século, IRMÃ de Gilberto Freyre, única interprete de sua letra e ex-datilógrafa dos artigos e trabalhos mais longos do escritor, mas também Paulo Costa, assíduo aos trabalhos da Escola Bíblica Dominical, membro da Igreja, antigo solista do Coro e cunhado de Gilberto. Eles constituem uma prova cabal das origens evangélicas de Gilberto e do seu misticismo na adolescência.
MÁRIO RIBEIRO MARTINS - ERA PROCURADOR DE JUSTIÇA E ESCRITOR.
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