REFLEXÕES SOBRE O HOMEM.
Mário Ribeiro Martins*
O homem, como ser vivo, composto de matéria e como espécie animal que é, pertence à natureza. Mas, como ser racional, atuante e criador, pertence à historia. Como ser pertencente à natureza e à historia, o homem é abrangente, porque ele não está apenas na natureza e na historia, mas interpreta a natureza e a historia.
Dentre todos os elementos vinculados à natureza e à historia, o mais problemático deles é o homem. Apesar disto é o centro da criação e por isto feito à imagem e semelhança de Deus. Encontrar-se no mundo justamente com outros homens é a grande realidade enfrentada e vivida pelo ser humano.
Nem sempre importa ao homem saber de onde veio, embora seja importante saber para onde vai. A natureza vibra pelas paisagens, pelas tempestades, pela brisa, mas não fala. Os animais também não falam, embora reajam de forma convincente.
O homem não apenas vibra, mas reage e fala, dialogando porque ele tem consciência de si e dos outros. Que seria o mundo, com o seu mutismo, sem o homem? Exatamente o mesmo que uma lanterna mágica sem luz: nada. Ao homem coube quebrar o silencio, emprestando vida às coisas. Ao homem coube a transformação dos homens em homem, precisamente porque o homem solitário não seria verdadeiramente homem, mas uma coisa, entre tantas outras.
Ao mundo coube a integração do homem no processo existencial. Sem ele, o existente vivo e corporal seria inerte e não sobreviveria.
Sobre esta posição do homem no universo, escreveu Karl Jaspers: "O homem está sozinho no mundo imenso e mudo. Foi preciso que o homem surgisse para emprestar linguagem ao mutismo das coisas. O silencio da natureza ora lhe parece estranho, inquietante, impiedosamente indiferente, ora lhe parece favorável, despertando-lhe confiança e apoiando-o. O homem acha-se sozinho em meio a uma natureza de que, não obstante, é parte".
Nietzsche, ao fazer uma reflexão sobre o homem, chegou a dizer: "O homem é o animal que jamais se define".
A vida do homem é uma vida de decisões. E se, porventura, o homem não tivesse natureza, teria uma história e essa história nunca terminaria. O homem não pode estar satisfeito, porque se o tivesse, estaria contrariando toda a sua estrutura. Afinal de contas, ele é a pergunta que mantém a história em suspense. Sem o desabrochamento do homem, o mundo seria um verdadeiro caos. O mundo sem Deus seria um desastre, mas o mundo sem o homem voltaria ao nada.
A indefinibilidade produz entre outras coisas a sua dignidade. E é por isso que o homem é como é. Ele reconhece a si mesmo e também aos outros. Não adianta interrogar o homem, esperando dele uma imagem verdadeira e válida. Isto seria contrariar a história e provocar conflitos maiores.
A dignidade, no entanto, está intimamente relacionada com a liberdade. Só o respeito à prática da liberdade torna possível a prática do respeito à dignidade da pessoa humana. A liberdade é um direito inviolável da pessoa. A liberdade não é outra coisa, senão a capacidade que tem o individuo de se determinar sem ser coagido.
Embora se fale de liberdade física, civil e política e que são apenas liberdades exteriores, a verdadeira liberdade é aquela auto-determinação psicológica em que o homem apela para o testemunho da consciência.
Julian Marias, interpretando o maior filósofo espanhol ORTEGA Y GASSET, quanto à historicidade da vida humana, argumenta: “O homem encontra-se vivendo a uma altura determinada dos tempos, em certo nível histórico. A sua vida é feita de uma substância peculiar, que é o seu tempo. Enquanto o tigre é sempre o primeiro tigre que estreia o ser tigre, o homem é herdeiro de um passado, de uma serie de experiências humanas pretéritas, que condicionam o seu ser e as suas possibilidades”.
O homem não somente vive no mundo, mas também interpreta o mundo. Por causa dessa interpretação o seu mundo é formado de conjunto de crenças, de ideias, de usos e problemas. E muitas vezes o homem se deixa ofuscar exatamente porque se esconde atrás das interpretações e não tem coragem de enfrentar e vencer o seu Modus Vivendi.
O pior de tudo é que o homem sabe que essa situação é real, porque se não soubesse seria o mais perfeito dos seres, porquanto não enfrentaria a problemática do dualismo, do ser e não ser.
O homem se encontra perdido e por isso precisa conseguir uma certeza radical em que possa se fundamentar para continuar a viver ou pelo menos para que a vida tenha sentido. De alguma maneira, é essa a razão suprema por que o homem filosofa. Seu filosofar não é para continuar a existir propriamente, mas para ter justificação a sua existência. Afinal de contas, a filosofia procede do homem e para o homem.
Inegavelmente, o homem é o mais grave problema da história, não exatamente pelo que é, mas pelo que não é. As certezas do homem são muitas, mas todas elas colidindo umas com as outras e sem fundamento último. A situação do homem é um perene dualismo, porquanto ele não está nunca em puro saber, nem tão pouco num puro não saber. A verdade, para ele, é insuficiente e por isso se considera sempre em estado de ignorância. Com efeito, como diz ORTEGA Y GASSET “o homem vai sendo e não sendo”.
O homem é um presente que já foi passado e que será futuro, precisamente porque é história, faz e vive a história. Seu momento de existência não é apenas o agora, mas também o amanhã, como já foi o ontem. O homem não pode ser conhecido, nem também definido pela sua dimensão cognoscente. A faculdade de conhecer é apenas uma das coisas a acompanhar o ser humano, porém não é tudo. O conhecimento deriva-se da vida e acontece na vida, mas o homem não é apenas vida, é a interpretação, a justificativa, ele se encontra na vida. (FILOSOFIA DA CIÊNCIA, Goiânia, Oriente, 1979, página 193).
MÁRIO RIBEIRO MARTINS - ERA PROCURADOR DE JUSTIÇA E ESCRITOR.
Nenhum comentário:
Postar um comentário