segunda-feira, 16 de outubro de 2023

CRÔNICA : PSEUDO FÁBULA SEM UMA COMUNICAÇÃO BEM ESTABELECIDA

 



                                                    (IMAGENS DA INTERNET)


CRÔNICA: PSEUDO FÁBULA SEM UMA COMUNICAÇÃO BEM ESTABELECIDA

Autor: J. Marcos B. (São Vicente - SP)


Ao acordar e ir pela primeira vez na minha garagem percebi uma casinha de barro construída estrategicamente na viga principal de sustentação do teto e logo pensei: tenho um inquilino não autorizado em minha garagem. Era um marimbondo, uma vespa-oleira (Zeta argillaceum) que tinha escolhido aquele ponto protegido da chuva, dos ventos fortes e alto o suficiente longe de alguma mão desavisada que pudesse destruir sua casa por acidente ou maldade mesmo.

A casa era simples parecia um pote de barro de cabeça para baixo - a meu ver - apenas um cômodo, mas havia espaço para expandir, apenas uma entrada de acesso e feita sob medida de modo que uma outra massa corpórea - que não fosse a dela - não entraria. Isso se trata de uma espécie de porta lógica. Quem ensinou arquitetura a ele? Quem ensinou a arte de trabalhar com o barro?

Na segunda vez que fui na garagem aquele dia - não lembro agora o que fui fazer - vi o meu inquilino chegando em um voo majestoso e adentrar em sua mais nova casa construída - sem a minha autorização - acho que para verificar se estava tudo bem ou para tirar um cochilo, uma soneca. Ainda caí na besteira de perguntar ao mesmo: - eae? oh, casa nova? Simplesmente fui totalmente ignorado. Percebi que já passava das 12h00 e lá estava eu indo mais uma vez na garagem que era minha só para deixar claro e me deparei mais uma vez com o inquilino ou inquilina não tenho capacidade de distinguir o macho da fêmea, enfim, agora ele ou ela vinha com uma presa, uma pequena lagarta verde que se contorcia toda - de dor e de pânico, claro - se movendo de um lado para o outro com esperança ainda de se livrar das garras do seu algoz, do seu predador. Fiquei paralisado olhando aquela cena igual aquela brincadeira de estátua de quando éramos criança. Observei todo o trajeto do voo e a entrada em sua casinha de sapé, ou melhor, em sua casinha de barro com a sua lagarta que ainda se contorcia, mas sem sucesso de conseguir se livrar do seu inimigo natural.

- Aí sim, é o almoço? - pronto lá estava eu falando com o marimbondo de novo e sendo ignorado mais uma vez. Bem feito pra mim, não tenho nada que falar com inseto. Fiz o que tinha que fazer e fui embora da garagem, mas antes pensei: aquele inquilino era grosso, mal-educado. Primeiro o cara invade a minha garagem e depois nem se quer dirige a palavra pra mim. Vou ignorá-lo também. A partir de hoje estamos de mal, pronto. A partir de hoje vou ser estúpido e ignorante com ele também, pronto. Mas só avisando que ele é que está invadindo a minha propriedade.

Alguns dias se passaram e o vi em várias outras vezes, mas não tentei me comunicar, aprendi a lição. Prometi a mim mesmo que não ia mais me comunicar com nenhum outro inseto em toda a minha vida. Dias vêm, dias vão e ao entrar novamente em minha garagem - já tinha até me esquecido do ser distratante que habitava ali - lembrei-me de olhar pra cima para ver se o hóspede ainda estava morando por ali, afinal de conta aprendi que esses caras podem ir embora do mesmo jeito que surgiu e sem dar a menor satisfação. Ao olhar para cima em direção a viga de sustentação me espantei com o que vi. Agora a casinha tinha dois cômodos!

- eae meu amigo? Tá abusado, esse abuso tá demais. Pronto lá estava eu quebrando a promessa que tinha feito a mim mesmo há poucos dias de nunca mais em minha vida dirigir a palavra a um inseto.

Peguei a vassoura piaçava e pensei: esse cara vai aprender agora que eu sou territorialista, mas ao voltar para garagem e armar a vassoura a minha consciência falou comigo. - esse segundo cômodo é porque, talvez ele tenha um filho para alimentar agora. Aquele pensamento foi igual a um freio de mão e me desarmou instantaneamente, bem a tempo de me conscientizar e recuei, no desespero de ter seu filho, sua larva em segurança longe dos predadores da espécie dele encontrou na minha garagem, um porto seguro para ele e sua prole. Por não falar a minha língua e nem eu a dele, não pode e não podia haver comunicação igual um pedido, uma solicitação de abrigo temporário. Por pouco, quase fiz uma besteira... O deixei em paz e permiti ele fazer quantos cômodos fosse preciso, quantos fossem necessários para ele perpetuar sua espécie. Dias depois percebi que nunca mais o vi em minhas entradas e saídas da garagem e aquela mesma voz em minha consciência falou: ele partiu com sua prole. A missão está concluída. Vou sentir saudades, sentir saudades de um inseto? Sim, saudades de seus voos acrobáticos, certeiros, perfeitos, sincronizados, de o ver trazendo sua comida - geralmente uma lagarta verde agonizando em suas garras - café da manhã ou almoço não sei ao certo. Sim, saudades, de alguma forma daquele inquilino temporário que deu mais vida à minha garagem estática, artificial, cheia de tralhas, bugigangas, quinquilharias sem vida. Bom, foi uma experiência que me deixou um aprendizado. A vida pede passagem para continuar, às vezes, sem uma comunicação perfeita, mas se eu sou o ser mais inteligente eu tenho que analisar os sinais e interpretar e entender.

Dias depois me deparei com uma vespa-joia (Ampulex compressa) conduzindo uma barata que tinha caçado nas minhas tralhas, mas essa não constrói moradia, não sabe moldar a argila igual a outra.



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