PROBLEMÁTICA DA VERDADE.
Mário Ribeiro Martins*
Que é a verdade? É possível conhecer a verdade? Somos capazes de conhecê-la?
Desde que Pilatos não quis ouvir a resposta de Cristo à sua pergunta: QUID EST VERITAS (Que é a verdade?) e que, certamente, seria a mesma dada a Tomé “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida”, uma das melhores respostas é a de ARISTÓTELES, que disse ser a verdade “uma adequação ou coerência lógica entre o que se diz e a coisa ou entre o que se diz e o ocorrido”.
Como o problema da verdade é fundamental da Filosofia e como nem todos acreditam que o homem seja capaz de conhecer a verdade, deve-se estabelecer os seguintes pontos:
A - TRÍPLICE PERCEPÇÃO DA CONSCIÊNCIA.
O conjunto infinito de todas as coisas pode ser percebido pela consciência ou seja, por aquela intuição imediata que o homem possui dos seus estados e dos seus atos. Assim sendo, a CONSCIÊNCIA (sujeito) percebe a CIRCUNSTÂNCIA ou seja, o ambiente em que ela está mergulhada, seu habitat, seu meio próximo, biológico, representado pela família, cidade, repartição, o ambiente em que vive e que está umbilicalmente vinculado a ele (sujeito). A palavra chave para designar esta relação entre Consciência e Circunstância é: MUITO PRÓXIMO.
Mas a CONSCIÊNCIA (sujeito) percebe também o MUNDO ou seja o todo próximo à Consciência, representado pelo globo terráqueo e que não está umbilicalmente vinculado ao sujeito, mas cuja palavra chave para designar a relação é: DISTANTE.
A CONSCIÊNCIA (sujeito) ainda percebe o COSMOS ou seja o conjunto de tudo que existe no espaço infinito, chamado UNIVERSO GLOBAL e que não está umbilicalmente vinculado ao sujeito, mas cuja palavra chave é: MUITO DISTANTE.
B - DISTORÇÃO DA PERCEPÇÃO.
A CONSCIÊNCIA tal como um espelho reflete as coisas de fora para dentro. Percepção é o ato de perceber, de aprender intuitivamente um objeto.
No entanto, as coisas refletidas são distorcidas, porque a CONSCIÊNCIA se apresenta como um espelho de grau ou como um espelho que tem uma forma côncava e que, portanto, reflete a imagem deturpada.
Por exemplo, o espelho plano, sem grau, apresenta o individuo normal, mas o espelho convexo apresenta o individuo anormal. Assim, a CONSCIÊNCIA, ao perceber as coisas, o faz geralmente de forma anormal, prejudicando a imagem normal do objeto.
C - REALIDADE.
A tudo que existe, denominamos realidade. A realidade que criamos dentro de nós é diferente daquela que está fora de nós. Porque a que criamos, criamo-la a partir da nossa experiência e percepção, já em si deturpada pela CONSCIÊNCIA quando percebeu o objeto.
O homem no meio social é diferente de uma pedra no reino mineral. A pedra nada percebe. O homem (sujeito, consciência) percebe a CIRCUNSTÂNCIA, o MUNDO e o COSMOS, mas não apenas os percebe. Melhor do que isto, o homem interpreta-os e passa a viver a interpretação.
A realidade para o sujeito, portanto, passa a ser essa interpretação que é logo expressa em conceitos, juízos, valores, temores, crenças, opiniões, desejos, aspirações etc.
Por causa disto, o nosso mundo está condensado em CONCEITOS e INTERPRETAÇÕES, daí dizer-se: FULANO É BOM. FULANO É MAU. FULANO É FEIO. FULANO É BONITO.
Disto se conclui que há uma realidade interpretada e uma realidade real para o homem. A realidade interpretada está transformada em conceitos. A realidade real é o objeto em si. Qual a relação entre as duas realidades? Da resposta que se der a essa pergunta, vai depender a verdade.
D - TIPOS DE VERDADE.
Há uma dúplice apresentação das coisas. Por isso, os objetos se colocam diante de nós como fenômeno e como númenon. Como FENÔMENO é como as coisas se apresentam diante de nós. Como NÚMENON é como as coisas são realmente. A partir daí se pode conhecer, as seguintes espécies de verdade:
1 - VERDADE LÓGICA. É uma propriedade das afirmações, no sentido de que toda afirmativa tem um valor lógico ou a afirmativa é VERDADEIRA ou é FALSA.
2 - VERDADE FORMAL. É a concordância do espírito com suas próprias convenções, de que é exemplo o seguinte silogismo. “Todos os homens são bons. João é homem. Logo, João é bom”. As premissas e a conclusão podem ser materialmente falsas, mas o silogismo em si é verdadeiro.
3 - VERDADE EXPERIMENTAL. É uma afirmação concernente ao real, tal como na expressão: CHOVE AGORA. É preciso, no entanto, a verificação ou seja, observar se a rua está molhada e se a chuva está, de fato, caindo. A verdade da Geometria de Lobatchevsky (1792-1856), quanto ao espaço curvo, não é a mesma da Geometria Euclidiana (século III A.C).
4 - VERDADE FILOSÓFICA. É a identificação com o NÚMENON - essência última de todas as coisas, de que é exemplo o que alguns chamam de ABSOLUTO e outros, como Kant, chamam de DING-NA-SICH ou ainda como o que se apresentou a Moisés, dizendo: “EU SOU O QUE SOU”.
E - CONCEITOS DE VERDADE.
Há varias maneiras de compreendê-la, podendo-se fazer as seguintes observações:
1 - A verdade não é a qualidade das coisas ou das imagens, mas um juízo. Neste caso, a verdade depende do sujeito e não do objeto.
2 - A verdade é a conformidade entre nossas imagens (que pode ser deturpada) e a realidade.
3 - A verdade é todo juízo que direta ou indiretamente se mostra evidente.
4 - A verdade é a conformidade da qualidade com a matéria de um juízo.
5 - A verdade é a presença do objeto no sujeito, de que é exemplo, a seguinte frase: “A neve é branca”.
6 - A verdade como a correspondência entre o pensamento e o objeto. Nesse caso, todo conhecimento se refere a um objeto (real ou imaginário) e quando há concordância, então há verdade.
7 - A verdade como coerência lógica. É mostrada em total coerência com outras verdades. É verdade, não porque corresponde a uma suposta realidade isolada, mas porque é coerente ao lado de outros enunciados no sistema.
8 - A verdade como utilidade prática. É a posição defendida pelo Pragmatismo, segundo o qual a verdade de qualquer enunciado consiste nos resultados práticos que dela se obtenha.
9 - A verdade como verificação. Nesse caso, os juízos verdadeiros são formulados à luz das comprovações. Estas, por sua vez, são verificadas e nenhum juízo será considerado falso ou verdadeiro, enquanto não houver a comprovação necessária.
10 - A verdade como propriedade física. Consiste numa relação entre os símbolos e os objetos.
F - CRITÉRIOS DA VERDADE.
Para se concluir pela existência da verdade, há vários critérios, destacando-se os seguintes:
1 - Critério da Evidência. É a clareza da verdade. É o que se vê diretamente, imediatamente. Não se pode deixar de ver um objeto visível perante a nossa vista. O que acompanha a evidência é a certeza.
2 - Critério da Autoridade. Embora não seja realmente critério da verdade e sim juízo, é mencionado como tal.
3 - Critério do Senso Comum. Pelo consentimento de todos, diz-se que é verdade.
4 - Critério da Experiência. O dia a dia, pelo uso, pela experiência, diz que é verdade.
5 - Critério do Assentimento Universal. No sentido de consentimento voluntário, aprovação, diz-se que é verdade.
6 - Critério da Necessidade Lógica. Disposição para raciocinar com justeza leva à verdade.
A estes critérios se pode apelar para conhecer certas situações objetivas. O que importa, no entanto, não é quem julga ou quando julga, mas a correlação de qualidade entre o sujeito e o objeto, daí a observação de Matthias Claudius:
“A verdade não se deixa reger por nós. Somos nós que temos de nos reger pela verdade”.
Tomás de Aquino (1225-1274) ensinou que “a verdade tem contornos cambiantes e cada um a reconhece à sua maneira, através de estados íntimos, nem sempre transferíveis e tão pouco comunicáveis”.
O Lógico Estrangeiro respondeu aos nativos: “Serei sacrificado ao Deus da Falsidade”. Se dissesse a verdade, seria sacrificado ao deus da verdade. Se dissesse a mentira, seria sacrificado ao deus da mentira. Qual a sua sorte? Os nativos ficaram estupefactos diante da resposta do Lógico Estrangeiro e não tiveram condições lógicas de sacrificá-lo. Ao afirmar, “Serei sacrificado”, estava dizendo a verdade, e, neste caso, deveria ser sacrificado ao deus da verdade. Mas, ao afirmar “ao deus da falsidade”, deixou os nativos confusos, porque pela primeira parte da resposta, deveria ser sacrificado ao deus da verdade e pela segunda parte da resposta deveria ser sacrificado ao deus da mentira. (FILOSOFIA DA CIÊNCIA, Goiânia, Oriente, 1979, página 125).
MÁRIO RIBEIRO MARTINS - ERA PROCURADOR DE JUSTIÇA E ESCRITOR.

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