sábado, 18 de outubro de 2025

A PROBLEMÁTICA HUMANA NA SOCIEDADE URBANA - MÁRIO RIBEIRO MARTINS

 





A PROBLEMÁTICA HUMANA
NA SOCIEDADE URBANA.


Mário Ribeiro Martins*



(REPRODUÇÃO PERMITIDA, DESDE QUE CITADOS ESTE AUTOR E O TÍTULO, ALÉM DA FONTE).



O processo de urbanização tão acelerado em que se encontram algumas partes do mundo tem trazido excepcionais vantagens, mas constitui também a causa de muitos problemas com que se defronta o homem citadino. Quem é o homem urbano? Somente o nascido na cidade ou todo aquele que nela reside? O homem urbano não é só aquele que nasceu na cidade, mas também o que nela se fixou e consequentemente assimilou e foi assimilado pela cultura urbana.
De fato, a percentagem de imigrantes, em algumas cidades latino - americanas, por exemplo, é maior do que a de naturais da própria cidade. Deve-se isso ao rápido e crescente processo de migração em curso em quase todos os países da América Latina, especialmente.
Em virtude dos fatores de expulsão existentes no campo e dos fatores de atração verificados na cidade, o abandono das áreas rurais é uma constante, transformando as grandes cidades em verdadeiras megalópoles.
Há uma diversidade de problemas a afligir o indivíduo na sociedade urbana. Entre os problemas sócio -econômicos, destacam-se: Baixo nível de vida, desemprego, sub -emprego, residência escassa e inadequada, transporte aglomerado e caótico, além das novas formas de comunidade.
Philip Hauser chegou a dizer: "O problema fundamental em torno do qual giram todos os demais é, evidentemente, o baixo nível de vida da população, que deriva em essência de um baixo produto global". No caso de campesino chegado à cidade, a situação é ainda mais grave porquanto ele não vem preparado para operar como trabalhador qualificado.
Há um verdadeiro mosaico de comunidades e o homem urbano vive numa, trabalha noutra, diverte-se numa outra e estuda em uma comunidade completamente diferente, o que significa viver num mundo de associações e grupos secundários que cada vez mais se alastram no contexto urbano.
O homem citadino enfrenta o problema das crises em que se encontram as velhas formas de comunidade rural, povoados que perderam sua vigência e predomínio, sem que outros fossem criados para substituí-los. Em virtude dos sistemas anacrônicos de circulação, os indivíduos gastam horas para se dirigirem ao local do trabalho, o que significa perda de tempo e prejuízos para a saúde, já abalada pelos problemas da poluição e da má alimentação.
O déficit de residências é grande, pois a própria cidade criou uma riqueza, a mais valia imobiliária, que terminou por dar origem aos famosos cinturões da miséria, localizados ao redor das grandes cidades.
Entre os problemas familiares destacam-se: Desadaptação familiar, desintegração familiar, tendência para a infidelidade, má formação dos filhos. O processo da rápida urbanização repercute notadamente na estrutura da família, pois a chamada comunidade patriarcal, característica da sociedade tradicional, está sendo substituída pela família nuclear.
A premência econômica que obriga pais e filhos a trabalharem fora, além de provocar a indiferença, afeta a unidade familiar. A diversidade e a comercialização dos meios de diversões, o tamanho das cidades favorece o anonimato e contribui para que, principalmente o homem, acabe acalentando outros interesses sentimentais. Quando a estrutura familiar é afetada, a disciplina afrouxa e a autoridade desaparece. Somando-se tudo isso ao abandono moral e material, sem se falar no espiritual, tem-se o resultado que são filhos mal formados, psicológica e moralmente.
Ao lado de tudo isso há os problemas psicológicos que se expressam através da tendência à instabilidade emocional, da tendência aos traumas e outros transtornos, além da falta de higiene mental. Se bem que num ou noutro sentido todos somos instáveis emocionalmente, o ambiente urbano propicia maior tendência nesse sentido, devido às constantes pressões a que o homem desse meio se vê submetido.
O contexto sócio - cultural em que se movimenta, choca-se com sua personalidade básica determinando uma desadaptação psicológica e até mesmo somática. O homem urbano por causa da vida agitada que leva da profundidade e rapidez das mudanças e do forte estresse a que sofre, o sujeito tem maior tendência para os traumas e outras enfermidades psicológicas e mentais, que vão desde a neurose até a psicose.
Ao lado dos distúrbios mentais e psicológicos de que padece, o homem urbano enfrenta os problemas da patologia social, expressos em fenômenos tais como: alcoolismo, prostituição e delinquência em suas diversas manifestações. Os serviços públicos de higiene mental e profilaxia social para ajudar as vítimas desses males ainda são muito escassos, especialmente na América Latina.
Entre os problemas culturais, destacam-se: Aculturação, meios de comunicação de massa, espetáculos alienantes e pouca difusão cultural em nível popular. O processo da urbanização tem como uma das consequências a tendência à cultura de massa em que o homem tende a ser uniforme, passivo e receptivo diante de uma fonte comum de estímulos.
Na sociedade urbana, o fenômeno da aculturação chega a seus últimos extremos, isto é, à assimilação do indivíduo pelo meio urbano. Na área urbana, é decisiva e crescente a influência do rádio, do cinema, da televisão e da imprensa. Esses meios de comunicação contribuem para formar a personalidade radar, uma personalidade dirigida de fora, mera receptora passiva de uma série de estímulos e influências, sem a capacidade crítica, nem os controles internos necessários para resistir àquilo que é alienante.
Encontrar a própria identidade cultural tem sido e continua sendo um problema essencial, especialmente no mundo latino-americano. Para as classes populares, as quais, por seu baixo nível econômico e por seu alto índice de analfabetismo, em algumas regiões, se veem marginalizadas dos benefícios da cultura, esta em si, continua sendo um artigo de luxo.
A comercialização da diversão e o espírito lucrativo que predomina nos empresários de espetáculos públicos nas cidades fazem com que estes últimos não contribuam para melhorar o nível cultural das pessoas, mas simplesmente para entretê-las e muitas vezes aliená-las.
Os problemas espirituais e morais da sociedade urbana se expressam através da proliferação de ideologias e seitas religiosas, do alcoolismo, do vício em drogas, da pornografia, da corrupção sexual, da decadência do cristianismo institucionalizado etc. O mundo vive atualmente uma efervescência revolucionária em quase todos os sentidos, estimulada por várias correntes ideológicas de caráter político e secular em geral, pelo que se pode afirmar que a América Latina, especialmente, é uma terra de combate ideológico.
As cidades são precisamente o meio mais favorável para a difusão das ideologias, que pugnam por ganhar a mente dos latino-americanos. Ademais, tem-se uma proliferação crescente de seitas e cultos religiosos que complicam o panorama religioso. É crescente a presença de cultos orientais e esotéricos, assim como avivamento de atividades irracionais, tais quais horóscopos, quiromancia, cartomancia e outras formas de ocultismo e superstição que conduzem o homem urbano ao sincretismo.
Velho mal da sociedade, no entanto, é o alcoolismo que se torna cada vez mais crescente. O vício em drogas, como a maconha, a heroína, a cocaína atinge principalmente a juventude. A tudo isso deve-se juntar a demanda cada vez maior de barbitúricos, tranquilizantes e outros psicotrópicos que são consumidos pela sociedade adulta.
A onda de pornografia que invade a cidade é alarmante. Consegue-se com mais facilidade a literatura pornográfica do que o pão de cada dia. Por meio do sexo, por exemplo, se vende desde casa até alfinete. Daí o aumento da prostituição, nas áreas urbanas, das enfermidades venéreas, do aborto, assim como alguns problemas sociais conexos, tais como mães solteiras e crianças abandonadas.
Em termos de sociedade urbana latino-americana, quatro séculos e meio de catolicismo não foram capazes, no sentido da palavra, de cristianizar estes povos, como também o protestantismo, com um século e meio de existência na América Latina não foi capaz de formar uma sociedade justa, embora ambos, o catolicismo e protestantismo tenham produzido conquistas sociais e espirituais notáveis. O fato é que tanto um quanto o outro apresenta sinais de estagnação, correndo o perigo de transformar-se em apenas uma religião a mais. Essa realidade tem sido reconhecida e ambos estão tratando de efetuar mudanças urgentes e radicais.
Embora se tenha destacado apenas o aspecto negativo da sociedade urbana em relação aos problemas humanos, não significa que se deixe de reconhecer as novas e muitas possibilidades, além dos fatores que contribuem para a "humanização" da vida humana conforme Harvey Cox que assinala o lado positivo do isolamento, do anonimato e da mobilidade da vida urbana, em seu livro A CIDADE SECULAR.
De fato a grande cidade tem dado à luz uma forma original de cultura e em seu seio já começou a aparecer um tipo humano totalmente singular. O mundo moderno tem que confrontar deliberadamente a situação urbana moderna e aceitar seu desafio, enfrentando essa nova realidade. Precisa estimular a conscientização sobre os problemas que estão afetando a vida do homem urbano, conhecendo-os de forma realista e profunda, com suas manifestações e seus aspectos negativos e positivos. (O POPULAR. Goiânia, 12.02.1978).



MÁRIO RIBEIRO MARTINS - ERA PROCURADOR DE JUSTIÇA E ESCRITOR.


(LIVRO "MANIFESTO CONTRA O ÓBVIO E OUTROS TEMAS")

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