sábado, 16 de agosto de 2025

A IGREJA EVANGÉLICA NO BRASIL HOLANDÊS - VI - MÁRIO RIBEIRO MARTINS

 




A IGREJA EVANGÉLICA
NO BRASIL HOLANDÊS (VI).


Mário Ribeiro Martins*


(REPRODUÇÃO PERMITIDA, DESDE QUE CITADOS ESTE AUTOR E O TÍTULO, ALÉM DA FONTE).



A herança religiosa que caracterizava o grupo holandês presente no Brasil não foi suficiente para dar-lhe diretrizes básicas e uma posição definida quanto ao problema religioso. Isto porque existia um contexto adverso em que as tensões políticas, sociais, morais, culturais, econômicas, étnicas e religiosas se avolumaram, tornando difícil a posição governamental.
As relações entre o governo holandês no Brasil (Poder Político) e os diversos grupos religiosos (Poder Religioso) podem ser vistas e analisadas do seguinte modo:
JUDEUS - A inquisição com suas perseguições e intolerância provocou o êxodo não só dos protestantes, mas também dos judeus para os países caracterizados pela liberdade religiosa, entre os quais a Holanda.
Os judeus convertidos também chamados "cristãos-novos" penetraram nas terras holandesas em grande escala. De modo que quando aconteceu a conquista de Olinda, em 1630, muitos deles vieram para o Brasil e o número aumentou à proporção que os anos se passaram. Cerca de 1.500 judeus se encontravam no Brasil holandês em 1645, tendo sido Isaac Aboad o primeiro rabino do novo mundo. Possuíam escolas e sinagogas rabínicas e muitos deles haviam apostatado a fé cristã.
As perseguições que os judeus sempre sofreram em outras partes do mundo também não faltaram aqui, embora em escala menor, pois tinham mais liberdade do que na Holanda. A presença judaica era importante para o governo holandês, porquanto os judeus eram inimigos naturais de Portugal. De modo geral foram acusados de cobrar juros extorsivos e realizar festas barulhentas, acusações estas que partiam de portugueses e protestantes.
A partir de 1645 a situação dos judeus tornou-se mais difícil. Maurício de Nassau já tinha voltado à Pátria: não se iludiu com os f. 3.000,00 oferecidos pela colônia judaica por cada ano que ficasse. André Vidal destruiu os judeus existentes na região Sul, do Cabo a Serinhaém. Era a mesma força inquisitorial que condenara em 1595 a jovem Beatriz, aleijada, filha de Fernandes, à prisão perpétua.
O futuro judaico no quase extinto Brasil holandês seria sob a sombra da inquisição. Dos 1.500 judeus existentes em 1645 restavam apenas 650 em 1654, quando Barreto conquistou o Recife. Nos três meses de prazo dados pelo conquistador, os judeus praticamente abandonaram o país, voltando alguns para a Holanda, outros (23 pessoas) fundaram a Nova Amsterdam (hoje New York) em 1654 e alguns outros foram condenados, entre os quais Issac de Castro (José Lins) de 19 anos, que foi queimado vivo em Lisboa, no ano de 1647, depois de ter sido preso na Bahia, denunciado por alguém que o tinha visto visitando a Sinagoga no Recife. Além dele cerca de 400 judeus brasileiros foram condenados, 18 deles foram mortos, isto até 1769 e somente em 1822 os judeus recomeçaram a vir para o Brasil.
CATÓLICOS - Embora nem sempre os jesuítas soubessem usar convenientemente a liberdade que tinham e dela muitas vezes abusavam, existia completa liberdade de culto e de consciência para os católicos. Quando a Paraíba foi conquistada um dos pontos altos foi a preservação do culto tradicional, conforme carta do Padre Gaspar Ferreira ao bispo da Bahia: "Nossa religião católica está sendo permitida como antes".
Apesar disto Maurício de Nassau teve de expulsar 20 jesuítas que mantinham conchavos com os baianos contra o governo holandês, conforme declaração do Padre Ferreira: "Faltando apenas a beleza dos templos destruídos pela guerra e dos frades que por causa do mau cuidado de alguns foram expulsos deste Estado."
O desejo dos pastores protestantes da época era que o governo mudasse a política, restringindo a liberdade religiosa, o que fez com que Nassau expressasse seu pensamento, antes de regressar à Holanda: "É melhor tolerar calmamente os que pensam diferente do que inquietar o Estado com desordens grandes." Mais adiante, disse: "Permitir ideias fixas é melhor do que mostrar que estamos fracos demais para executar o que se quer proibir".
INDIOS - Além de receberem o máximo de ajuda governamental, os indígenas gozavam todos os direitos humanos, desde a liberdade de consciência e de religião até assistência espiritual, educacional, sanitária, embora tudo isso implicasse na obediência de certas normas, não chegando, contudo, a tirar o brilho da liberdade. Além disto o índio já tinha demonstrado sua inaptidão para a escravidão fosse ela de qualquer natureza.
NEGROS - Estes gozavam o mínimo dos direitos humanos, mas tinham liberdade de consciência e de religião. Os protestantes holandeses quando aqui chegaram já encontraram o negro numa situação tal que era difícil modificá-la. Realizavam normalmente os seus cultos - yoruba, xangô - porém os pastores condenavam as danças desenfreadas feitas no Domingo - dia de santificação.
PROTESTANTES - Embora se esteja tratando do relacionamento da Igreja Evangélica com os demais grupos, vale lembrar as relações entre ela e o governo holandês. A Igreja Cristã Reformada e o governo estavam intimamente relacionados, daí uma cooperação estreita, resultante da própria Confissão da Bélgica, cujo artigo 36 acentuava a proteção e promoção por parte do governo da verdadeira religião. A este cabia também aprovar a nomeação dos pastores e sustentá-los.
No Brasil holandês, o representante governamental era o "comissário político" e o representante eclesiástico eram os "deputados". Ambos tinham lugar certo nas reuniões do presbitério. Todas as despesas relacionadas com a Igreja e seu trabalho foram pagas pelo governo, inclusive viagens pastorais, reuniões, construções e manutenção de templos, salários pastorais (7 (sete) salários mínimos ou f. 84,00), de professores índios (1 salário ou f. 12,00), de professores europeus (3 salários), consoladores (3 salários).
Todos eram funcionários do governo, que também deliberava sobre disciplina eclesiástica, verbas para as missões, serviço diaconal etc.
O confronto sangrento entre católicos, protestantes, judeus, negros e índios teve o seu momento quando Maurício de Nassau se retirou: a ponte pessoal que separava as facções.
Em 1654, com a completa extinção do Brasil holandês, não só desapareceu o mais autêntico foco da Reforma Protestante no país, até aquele momento, mas também o ideal de uma TEOCRACIA perfeita, alvo da minoria holandesa, que apenas conseguiu mostrar a vontade revelada de Deus perante uma situação caracterizada pela pecaminosidade individual e social. (JORNAL BATISTA. Rio de Janeiro, 07.07.1974).



MÁRIO RIBEIRO MARTINS - ERA PROCURADOR DE JUSTIÇA E ESCRITOR.

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