domingo, 25 de maio de 2025

DIREITO E REALIDADE SOCIAL - MÁRIO RIBEIRO MARTINS

 




DIREITO E REALIDADE SOCIAL.

Mário Ribeiro Martins*



A sociedade humana vive amparada pelo direito e daí a necessidade de conhecer a sua realidade social. Como garantia social que é o direito, nenhuma comunidade pode viver sem ele, isto é, sem este sistema de garantia.
Como os costumes não mais servem de garantia social, o direito se faz presente. A pergunta fundamental, no entanto, é esta: Até onde o direito acompanha a realidade social? Existem distorções entre a justiça distribuída e a realidade social? O direito garante, de fato, a inviolabidade da lei? Estas e outras perguntas constituem uma preocupação da Sociologia Jurídica ou do Direito, com suas diversas facetas.
O fenômeno do direito estratificado parece cada vez mais imposto dentro da sociedade. Determinadas expressões usadas pelos governantes através dos tempos revelam que, na prática, há uma distorção na aplicabilidade da lei. Uma delas é esta: “Para os amigos tudo, para os inimigos a lei”. Ilude-se quem achar que isto não existe. Daí a revolta de Augusto Comte, para quem “o direito é imoral e absurdo, pois existe para proteger os poderosos contra os fracos”.
Na verdade, o direito é questionado quanto à sua equidade, não por causa dele, mas por causa dos seus aplicadores, donde a afirmativa de certo Juiz de Direito quando de um Júri em que trabalhei como Promotor de Justiça, na acusação. Disse ele: “A Justiça seria o último recurso a que apelaria”.
Se de um lado, a sociedade aceita o fato jurídico como coercitivo e imprescindível para a sobrevivência do todo social, por outro lado, esta mesma sociedade descrê da justeza da justiça, ao dar “a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.
A prática tem levado a sociedade à conclusão de que a justiça é dependente e adaptável às condições das classes sociais. Isto significa dizer que a justiça é, às vezes, paternalista. O fenômeno da permeabilidade do direito às circunstâncias da estratificação alia-se ao aspecto econômico.
A opinião pública, levando em conta, muitas vezes, a insensatez e a parcialidade dos agentes que promovem e aplicam o direito, questiona a própria imparcialidade da justiça.
Por esta razão, talvez, já o personagem de Platão, TRASÍMACO, entendia o ato de fazer justiça como “satisfazer o interesse do mais forte”. O peripatético Aristóteles, referindo-se ao apólogo de Antítenes, seguidor de Sócrates, chegou a dizer que “as leis existem para os homens iguais, mas não para os que estão acima, porque eles próprios são a sua lei”.
Faz lembrar a expressão existente no pórtico do Tribunal Italiano: “La legge é uguale per tutti”. Certa amanhã, alguém escreveu, logo abaixo: “La legge é QUASE uguale per tutti”.
É possível detectar problemas e distorções no quadro atual de distribuição da justiça, daí as conclusões estereotipada ou não a que tem chegado a opinião pública:
1) A distribuição da justiça relaciona-se com os estratos sociais - conveniência econômica, política, profissional - embora o direito seja a agencia mais forte do controle social.
2) A justiça tende a vincular-se a interesses grupais, embora o direito seja posto em prática por representantes do povo.
3) A justiça reflete a formação cultural do julgador e suas convicções religiosas, morais etc., embora a sentença que concede o direito seja fundamentada nos Códigos, na Doutrina e na Jurisprudência.
A respeito da influência de forças estranhas e ocultas sobre a justiça, bem como acontecimentos e fatos que exerçam influência sobre as sentenças judiciais, escreveu Recaséns Siches, em sua obra Tratado de Sociologia, destacando como “elementos influenciadores, os grupos organizados, a opinião pública, os partidos políticos etc”.
Sobre o assunto, também escreveu Karl Jaspers, no seu livro RAZÃO E ANTI-RAZÃO EM NOSSO TEMPO, destacando a “anti-razão como inimiga da justiça e que consiste na imposição da cegueira, da arbitrariedade, dos interesses mesquinhos, dos sofismas, dos partpris, em detrimento da imparcialidade do Direito”.
Entre os problemas e distorções enfrentados pelo Direito e pela Justiça, vários podem ser relembrados. Um deles, é denunciado por Eduardo Novoa Monreal, em seu livro EL DERECHO COMO OBSTACULO AL CAMBIO SOCIAL, ao dizer “O Direito Penal é realmente direito dos pobres, não porque os tutela e protege, mas porque sobre eles, exclusivamente, faz recair a sua força e o seu dramático rigor”.
Ao que completa Heleno Cláudio Fragoso: “A experiência demonstra que as classes sociais mais favorecidas são praticamente imunes à repressão penal, livrando-se com facilidade em todos os níveis, inclusive pela corrupção.
Uma outra distorção é detectada por Francisco Muñoz Conde, ao observar que “as próprias normas jurídicas são instrumentos de marginalização, na medida em que são elaboradas de cima para baixo”.
A tudo isto pode ser adicionado o aspecto da deformação e isolamento determinado pelo cumprimento das penas privativas da liberdade, como também os erros judiciários que levam indivíduos inocentes a permanecerem nas penitenciárias por anos a fio, pagando por um crime que não cometeram, além das distorções na administração da justiça, muitas vezes, insensível aos problemas sociais, abstrata e lenta.
Vários outros problemas e distorções afetam seriamente a distribuição da justiça, tais como: marginalidade e delinquência, marginalidade e justiça criminal, o direito criminal e os marginalizados, os menores desajustados, as enfermidades mentais, a marginalização da mulher, as minorias étnicas e culturais.
A Sociologia do Direito, portanto, está também voltada não somente para a igualdade, mas também para a desigualdade na administração da justiça, enfim, para as dificuldades e distorções que afetam a problemática do direito diante de uma realidade social vigente. (SOCIOLOGIA GERAL & ESPECIAL. Anápolis, Walt Disney, 1982, página 381).



MÁRIO RIBEIRO MARTINS - ERA PROCURADOR DE JUSTIÇA E ESCRITOR.

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