A ORAÇÃO DE CORA CORALINA.
Mário Ribeiro Martins*
(REPRODUÇÃO PERMITIDA, DESDE QUE CITADOS ESTE AUTOR E O TÍTULO, ALÉM DA FONTE).
Com o título "Oração do Pequeno Delinquente" o SUPLEMENTO CULTURAL DE O POPULAR publicou interessantíssima prece de Cora Coralina, em que se destacam estas palavras: "Meu Deus, ninguém me ensinou a rezar. Minha mãe não tinha tempo. Desgastou sua paciência pela labuta diária. Meu pai partiu de madrugada e só o viamos aos domingos, estafado, incapaz de nos entender".
A oração de Cora Coralina é perfeitamente válida, não somente por sua beleza literária impar, mas também por mostrar que uma das consequências das mudanças que se verificam em todo o mundo é a desorganização social. Esta não é outra coisa senão uma condição na qual a estrutura da sociedade se destrói ou não cumpre eficientemente sua função.
Da desorganização social resultam sérios problemas que ameaçam as instituições entre as quais a FAMILIA, que se compromete com sistemas e métodos de educação cada vez mais distanciados dos melhores padrões.
Haverá sempre a desorganização social quando certos fenômenos considerados normais passaram-se a patológicos com alto índice de crescimento, superando as taxas até então conhecidas. Entre os fenômenos sociais como homicídios, suicídios, prostituição, desemprego, desquite, divórcio que indicam o processo da desorganização social, destaca-se a delinquência juvenil.
Inspirado em muitos métodos modernos de pedagogia e da psicologia do aconselhamento, um grupo de policial dos Estados Unidos, sediado em Houston, Texas, formulou uma série de regras que poderiam ser usadas pelos pais, caso desejassem fazer dos seus filhos perigosos delinquentes.
As normas, para uso dos pais, em número de onze, foram sugeridas: 1) Dê a seu filho, desde pequenino, tudo o que ele deseja. Assim ele crescerá pensando que tudo no mundo é dele. 2) Se ele disser palavrões, ria-se. Então ele pensará que é muito esperto. 3) Não lhe dê nenhuma orientação moral: quando ele tiver 21 anos escolherá por si mesmo. 4) Nunca lhe diga: "Não faça isso", porque ele criará um complexo de culpabilidade. Mais tarde quando for preso por furto de auto, diga que a sociedade o persegue. 5) Apanhe tudo o que ele deixar pelo chão. Assim ele estará certo, sempre, de que os outros é que devem fazer as coisas. 6) Deixe-o ler tudo. Esterilize a sua xícara, mas deixe que ele contamine o espírito. 7) Discuta sempre diante dele. Quando seu lar desmoronar, ele não estranhará nada. 8) Dê-lhe todo o dinheiro que ele queira. Assim ele crescerá em sua inteira dependência financeira sem saber como adquiri-lo. 9) Satisfaça também todos os seus desejos, senão ele ficará frustrado. 10) Dê-lhe sempre razão: os vizinhos, os professores, a polícia é que o perseguem. 11) Quando ele estiver perdido, explique que nada lhe foi possível fazer, e prepare-se então para uma vida de sofrimento e amarguras.
Estas normas formuladas pelos agentes da lei constituem significativa advertência para os pais, sobretudo nesta época quando há a tendência de identificar certas manifestações da delinquência juvenil e de outros problemas sociais com aspectos da vida de Cristo, como está acontecendo atualmente com o movimento jovem, denominado: "Jesus Cristo, precursor dos Hippies".
Sabe-se perfeitamente que a rebeldia, a ânsia de independência dos jovens são resultantes dos novos estilos de vida da época e da omissão dos pais, permitindo uma orfandade existencial dos menores e dos adolescentes.
Daí o apelo do Dr. Alves Garcia: "Que as autoridades se mobilizem e alertem as famílias para menos "café-society", menos coquetéis, menos egoísmo e mais vigilância e cuidado com os filhos. Que se restaure a autoridade familiar e que a educação dos menores seja da responsabilidade dos pais e não do chefe do bando da esquina ou do bairro, como está acontecendo".
A oração do Pequeno Delinquente de Cora Coralina é mais uma voz que ergue no conturbado mundo moderno a favor do menor abandonado que, conforme a própria Cora, sonha "com um bife bem grande, um pastel enorme, um doce e uma fruta".
Bendita oração, a de Cora, porque haverá de clamar aos corações, falando mais alto do que a arbitrariedade, do que a cegueira, do que os partipris, do que os sofismas que procuram, por interesses mesquinhos e vantagens hedonísticas, destruir, ocultar e manter os anseios de uma vida melhor e que poderia ser vivida longe do pátio das Delegacias, mas perto das Escolas, dos Alimentos, dos Brinquedos e especialmente da compreensão e do amor que é o grande elo da vida ou como disse Bareal "o diamante que risca todas as demais pedras preciosas". (O POPULAR. Goiânia, 30.10.1977).
MÁRIO RIBEIRO MARTINS - ERA PROCURADOR DE JUSTIÇA E ESCRITOR.
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