sábado, 26 de abril de 2025

A IMAGEM DE JUDAS ISCAROTES NA LITERATURA - MÁRIO RIBEIRO MARTINS

 




A IMAGEM DE JUDAS ISCARIOTES
NA LITERATURA


Mário Ribeiro Martins*


(REPRODUÇÃO PERMITIDA, DESDE QUE CITADOS ESTE AUTOR E O TÍTULO, ALÉM DA FONTE).


Ao tempo em que Jesus nascia em Belém, nascia Judas cujo nome significa "louvor ao Senhor", na casa de Simão de Cariote. Como os nomes expressavam o desejo dos pais em relação aos filhos, pode-se notar o desapontamento dos pais de Judas, cujo nome passou à História, com o significado de "louvor ao diabo". É o personagem mais controvertido, no drama do Calvário.
Apesar disto, há os defensores de Judas. É uma tendência da época defender e reabilitar os vultos da História. É a contemporaneidade tolerante. Uma pesquisa na literatura sobre o assunto mostra que outrora Judas era condenado sem reservas, a começar pela DIVINA COMÉDIA, de Dante, em que Judas aparece na boca do diabo, por ele triturado, num profundo abismo infernal.
Como defende a modernidade, o Iscariotes? Judas é uma vítima do destino, portanto não tem responsabilidade pelos atos praticados, dizem seus defensores. Fez tudo levado por uma força cega e inevitável. Seus acusadores respondem: não existe destino cego e fatal. O homem age livremente.
Judas não é culpado, porque Deus sabia antecipadamente e as Escrituras prediziam, séculos antes, a traição de Judas, insistem os defensores. Os acusadores argumentam: a paciência de Deus corre paralela com a liberdade do homem. Uma não elimina a outra. O diabo é que colocou no coração de Judas trair o mestre, conforme João 13:2. Judas não queria e não pretendia trair Jesus, fê-lo pelas circunstâncias, continuam seus defensores e arrematam, dizendo: Judas queria forçar Jesus a proclamar-se Rei, mas quando viu o seu sonho frustrado, suicidou-se, segundo Mateus 27:3.
Deve-se observar também a carreira de Judas. Ele nunca foi mau e egoísta. Era homem de talento e habilidade, daí ter sido escolhido por Jesus não só para discípulo, mas para tesoureiro do Colégio Apostólico. O espírito egoísta que Judas revelou foi também demonstrado pelos demais discípulos, só que eles souberam dominar aquela tendência, enquanto Judas foi dominado. Ele começou a mudar de atitude quando notou que Jesus não tinha a ideia da missão temporal, pelo menos é o que se deduz de João 6:15. Aliás, um ano antes da traição, Jesus se referia a Judas como um diabo, segundo narra João 6:70.
Mas os acontecimentos relativos à traição culminaram com a repreensão que Jesus lhe fez na casa de Simão, o leproso, e que deve ter provocado ainda mais a ira de Judas, segundo João 12:4 a 8. É a partir deste momento que se encontra fraqueza em Judas: deixou-se dominar completamente pelo ódio.
Há por outro lado, uma série de curiosidades sobre Judas, na literatura. Nas listas dos doze, Judas sempre aparece em último lugar, acompanhado de um aposto infamante: "quem o traiu", "o que se tornou traidor".
O sobrenome Iscariotes deriva-se do hebraico ICHI QUERIOTI (homem de queriote). Schultess e Welhausen sugerem o aramaico ISCARYA- (assassino). Judas era tesoureiro, mas o evangelista João o chama de ladrão. No incidente de Betânia, com Maria, Judas adicionou à cobiça a figura do dolo. Logo depois dirigiu-se aos sacerdotes secretamente. O pão embebido na refeição pascal era o apelo final de Jesus a JUDAS.
Embora a tradução portuguesa use a palavra amigo (Mateus 26:50), Jesus não chamou Judas de AMIGO, mas de COMPANHEIRO. A palavra usada por Jesus e que está no original é etairos que significa companheiro, enquanto o verdadeiro amigo é traduzido por filos, conforme se lê em Lucas 7:6. A diferença entre companheiro e amigo pode ser notada com a seguinte ilustração. José de Arimatéia não era companheiro de Jesus, mas era amigo. Judas era companheiro, mas não era amigo.
Papias diz que o corpo de Judas inchou. Agostinho diz que a corda rebentou e Judas morreu devido à queda, não se suicidou.
Uma série de perguntas capciosas há sobre Judas. Quais os motivos que o conduziram a tão horrendo destino e fim? Como harmonizar isto com a declaração escriturística que dá a impressão de que ele tinha sido predeterminado para cumprir o papel de traidor?
A explicação psicológica invoca razões como o amor ao dinheiro, inveja aos outros, o desejo de Judas de salvar a pele no desastre do Cristo e forçar Jesus a tornar-se ou declarar-se Messias. Tudo isto transformou-se em despeito e o despeito em ódio. A explicação teológica invoca razões como o fato de que a presciência de Jesus não implicava em predeterminação.
Judas foi apóstolo, mas nunca fora salvo e mais, Deus não predestina para o mal, logo a frase "tal coisa se deu para cumprir a Escritura" significa que as ocorrências no seu curso normal, concorreram para cumprimento de uma profecia.
O fato é que Judas tinha uma vida promissora, mas seus talentos não foram usados corretamente, o que pode acontecer a qualquer indivíduo. Deixou-se levar pela cobiça. No cômputo geral, dir-se-ia que Judas se acostumou às coisas sagradas, mas nunca teve respeito por elas, o que é também muito comum na atualidade. (O POPULAR. Goiânia, 18.04.1976).



MÁRIO RIBEIRO MARTINS - ERA PROCURADOR DE JUSTIÇA E ESCRITOR.

(LIVRO "MANIFESTO CONTRA O OBVIO E OUTROS ASSUNTOS", PÁGINAS 58/60)

Nenhum comentário:

Postar um comentário